Confissões de um homem comum

CONFISSÕES DE UM HOMEM COMUM

Disse um sábio que, às vezes, a consciência é um sofrimento e a ignorância é uma felicidade. Por quê? Ora, não sofreria com a dor dos meninos famintos, com as crianças prostituídas, as mulheres violentadas, com os homens escravizados. A miséria humana não afetaria em nada o meu caminho. Se os poderosos estão roubando ou se o destino das nossas gerações é a decadência. Pouco me importasse se vivemos no império da mediocridade, da perversidade e da mesquinharia.

Se a minha cabeça fosse oca e a mente vazia. Que dádiva. Não viveria esta vida angustiada diante das injustiças nem aflições e revoltas contra a maldade. Nem ao menos veria a exploração e a mentira. A poesia seria uma benção e não esta maldição torturando meu coração. A pobreza de espírito seria a maior glória alcançada.

Estou cansado. Quero ser um homem comum, simples, Nada mais. Uma vida tranqüila, sem sonhos existenciais, sem anseios socialistas.

Quero ser um fanático torcedor, dar a vida e brigar por um time de futebol. Saber todas as suas vitórias, gols e a escalação completa de todos os campeonatos. E aquele jogador ser o meu grande ídolo. Ser de uma escola de samba que me faça tirar o sangue dos pés ou sangrar no couro do surdo. Morrer de felicidade e cantar com aquele grupo de pagode que traduz tudo que eu sinto. Vibrar com meu boi do coração como se fosse mudar o mundo em cada evolução. Jogar dominó a noite inteira e brigar com os parceiros como se tivesse mudando os rumos do país.

Quero ter uma liderança política em que confie plenamente e um pregador religioso em que acredite em cada palavra. E caminhar cegamente com eles. Gritar o nome do Brasil na copa do mundo como se gritasse um viva à revolução, cantar hinos e louvores com toda a minha alma. Acreditar no céu e no inferno.

Viver um amor manso, morno, certinho, esperando a aposentadoria num sítio à beira do igarapé, comendo tucumã, vendo a vida passar e cuidar dos netos que virão. Jogar toda semana na loteria em busca de uma fortuna que nunca virá.

Quero levar as crianças pra Disney e que minha mulher deixe de ser inteligente e se preocupar menos com os problemas coletivos. Docemente fútil. Vivendo no mundo das grifes.

Ter como sonho de consumo todas as telas plasmas, para assistir filmes pornôs ou a dupla sertaneja do momento. Sonhar com o último modelo daquela marca de carro como se fosse a coisa mais importante da vida, lavando-o e polindo-o todo fim de semana.

Chega. Não quero sofrer, nem me indignar com as dores do mundo. Quero ser um homem comum. Eu preciso ser um homem comum. Concordar com tudo. Não me sentir comprometido com as lutas do meu tempo. Alienado e feliz.

dori carvalho
Enviado por dori carvalho em 30/04/2010
Reeditado em 14/05/2010
Código do texto: T2229110
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