RATOS, TORTURA E PENA DE MORTE

O rato apareceu em minha casa fazia uma semana. Pelo menos foi o período de convivência aterrorizante com ele no mesmo espaço, desde que o vi pela primeira vez. De cara, já dei a sentença: está condenado à morte. Eu tenho uma sensação de asco que dizem ser instintivo. Não é nada. Imagine aonde iríamos arranjar os bravos trabalhadores que vivem do seu combate nas firmas de dedetização? Mas enfrento-os desde que não tenha que tocá-los com a mão. Vassoura, chinelo, pedra, até da minha cachorra eu solicitei auxílio na sua captura. Em vão. Eles são sorrateiros e possuem uma dose de inteligência para o embuste e uma agilidade que poucos animais têm. Acho que a palavra sorrateiro vem dos ratos, sei não.

Bom, desfeitas todas as possibilidades do enfrentamento armado, eu resolvi combatê-lo pela fórmula infalível que me disseram dos tais venenos que os desidratam até a morte. As ratoeiras tradicionais já não são mais sequer ameaças para esses seres urbanizados e que aprenderam os dribles nas armadilhas que lhes são impostas pelos humanos. Deve ser por isso que tem essa quantidade nojenta (eu acho) de filmes onde os ratos são heróis. Uma rendição humana momentânea à sua sagacidade e perspicácia, transformada em lição de vida. Não gosto, definitivamente do exemplo cinematográfico. Exceção para Tom e Jerry, uma gracinha de desenho animado!

Todos os dias eu colocava sob os móveis e eletrodomésticos uma quantidade de “ração” envenenada e nada de afetar-lhe os modos. Volta e meia eu ouvia ruídos na minha madrugada de escrevinhador e quando ia em direção ao barulho, o intruso já havia se escafedido misteriosamente. Um belo dia, eis que estou chegando à cozinha e o vejo saindo debaixo da geladeira e parando lentamente. A visão foi de um brinquedo à pilha que andava e de repente acabou a carga de energia. Ele parou, me olhou, eu o olhei e ficamos os dois estáticos. Eu, de nojo e pavor e ele de esgotamento das funções vitais. Mesmo assim joguei-lhe um pé do chinelo e errei. Joguei o outro e ele sequer se moveu. Aí me dei conta de que eu havia vencido as suas resistências. Estava à beira de um colapso cardíaco ou o que quer que seja o efeito do veneno. Peguei uma vassoura e dei o golpe final que lhe extraiu um grito estridente e inesquecível. Mais um susto. Ainda havia um restinho de vida. Fui mostrar a todos na casa a minha façanha, afinal todo mundo estava em polvorosa com a sua presença. Coloquei-o numa pá de lixo, abri um fundo buraco e o enterrei, jogando por cima da sepultura, vinagre e amoníaco para que a cachorra não fosse lá depois escavar. Ele estava com um semblante até simpático para quem morreu depois de ingerir tanto veneno (foram mais de oito pacotinhos que eu comprei). Seus olhos permaneceram abertos e isso me deixou depois um incômodo. Não foi nenhuma piedade, apenas um incômodo incompreensível Não dá para comparar um rato a humanos nesse sentido literal, mas dá para se ter uma noção do que seja a tortura e a pena de morte humanas, do ponto de vista do algoz. Que sentimentos será que tem uma pessoa que tortura deliberadamente um semelhante ou lhe mata, seja através da pena legal, consentida, seja através da fúria momentânea ou da premeditação? Acho que encontrei uma finalidade para a existência desse animal, para mim o mais nojento e asqueroso do reino. O rato firmou as minhas convicções já antigas de abominar gestos humanos de crueldade e barbárie.

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 01/05/2010
Código do texto: T2230168
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