A fazenda de um menino (Lembranças do quintal da minha avó!)

O quintal enorme foi fruto da labuta do meu avô, prestando serviços para a Noroeste do Brasil. Espalhado pelo quintal tinha pés de laranjas, pé de uva, limão, caju, carriola, cajamanga,coqueiros, umbu, banana, côco da bahia, pé de guaivira, mamão, abacate e manga. Manga tinha a manga coquinho, que era pequena e tão doce que parecia mel; a manga espada que os fiapos dela ficava enganchado nos dentes da gente e dava um trabalhão danado pra tirar, pois naqueles tempos, eu pelo menos, não conhecia o fio dental; a manga adem, que era grande, também doce e não tinha fiapos, por isso era a nossa preferida. Caju tinha do verde e do amarelo. Comíamos a polpa com bastante cuidado pois todo mundo sabia que se o sumo pingasse na roupa, manchava. A castanha do caju comíamos torrada. Um ou outro de nossos amigos até se atreveu a fazer tatuagem com o óleo da castanha do caju. Eu confesso que não me atrevi porque onde passavam o óleo sobre a figura desenhada na pele pra fazer a tatuagem, ficava um queimado feio pra caramba. O quintal era um universo de árvores frutíferas! Era em meio a esse monte de árvores que eu passava a maior parte do dia.

A quantidade grande de árvores atraía também uma legião de passarinhos. Eles se aproveitavam das frutas que maduravam e demorava a ser colhida. Os sabiás, bem-te-vis e canarinhos amanheciam o dia antes de nós, fazendo cantilenas no terreiro e bicando vorazmente as frutas maduras que tinham vindo ao chão.

Como eram muitas as árvores, eram muitas também as flores, por isso era um zunzum de abelhas que parecia que não ia acabar mais. Quando elas, as abelhas, estavam fazendo o seu trabalho a gente não brincava na copa das árvores. Medo de ser ferroado! Os beija-flores sempre davam o ar de sua graça, voando ligeiro e pairando em pleno ar enquanto beijavam graciosamente as flores. No chão as formigas faziam um eterno passeio , um ir e vir sem fim, onde sempre se cumprimentavam ao passar umas pelas outras. Além das árvores frutíferas a minha avó tinha á sua disposição no quintal um punhado de ervas: pé de fedegoso, de capim cidreira, pimentas, manjericão, boldro, erva santa-maria e outros. O quintal era um mundo habitado por plantas e ervas rasteiras e sombra que não acabava mais! Ás vezes, eu passava o dia brincando distraído debaixo da copa das árvores. Esquecia muitas vezes até o horário do almoço. Ficava ali absorto cuidando de minha fazenda. O meu gado era o resultado da combinação de mangas precocemente caídas, a haste da folha do coqueiro e muita imaginação.

O primeiro passo era juntar as mangas que o vento tinha derrubado; depois eu tirava a hastezinha principal das folhas secas do coqueiro, quebrava em pequenos pedaços e com elas eu fazia as pernas do meu gado. Já, a cerca da minha fazenda era feita com palitos de picolés que eram trançados uns nos outros. Concebidos os bois e a cerca da fazenda a brincadeira consistia em apartar os bezerros, levá-los de uma fazenda pra outra, curar os que estavam machucados. Conduzir de um lugar pro outro era um trabalho danado porque tinha que ser feito de um a um, porque se eu empurrasse todos ao mesmo tempo, corria se o risco de quebrar as patas dos bichos. Era nessa brincadeiras que muitas vezes eu consumia docemente as manhãs!

Esse devaneio era interrompido pelo grito da minha avó: "___Menino vem almoçar!"

Eu acabava de ajeitar o gado na fazenda e ia almoçar! Terminada a refeição, quando voltava ao meu ofício de fazendeiro, não raras vezes, o lulu, um cãozinho de estimação, raça vira-lata, estava deitado sobre toda minha fazenda. Eu ralhava com ele, dando-lhe um chute no traseiro. Depois olhava desolado a minha fazenda destruída.

O lulu, apesar de ser um cão, era uma espécie de sem-terra!