O câncer do tempo

Um dia você vai ser usado como fertilizante.

O câncer do tempo está corroendo nossos ossos, mas só nos damos conta disso ao lermos em um diagnóstico que estamos apodrecendo aos poucos. As pessoas não suportam ter conhecimento da finitude da vida, e por essa razão, tentam ao máximo esconder nossa certeza única, como se morrer fosse algo que acontecesse apenas com os outros. Como se estivéssemos blindados a isso. Claro que não queremos morrer, mas postergar o fato iminente da morte é querer adiar a vida.

Antigamente, as pessoas não morriam nos hospitais, mas na cama de suas casas junto com sua família, esperando resignadamente a vida fenecer. Era como um ritual. Com o avanço da medicina, morrer não é mais um acontecimento natural, mas uma falha médica, um fato trágico. E é por isso que hoje temos notícias de pessoas que se submetem a viver - leia-se vegetar - através de aparelhos que nos mantém como mortos vivos - ou seria vivos mortos? Os próprios médicos, por orgulho, fazem de tudo para não dar o atestado de óbito às famílias pois deixar que alguém morra seria uma falha médica, e não um fato natural.

Antigamente, os cemitérios pareciam ser o que eles realmente eram: um lugar onde os mortos descansavam. Hoje em dia, esse lugar lembra mais um um shopping center. Há lanchonetes, parques, cachoeiras. E na entrada, há uma placa dizendo algo como "Cemitério São Rafael: A sua última parada" ou "Colina do Descanso: Até hoje, ninguém nunca voltou para reclamar".

A morte é a certeza única que nos faz levantar e seguir em frente. É o nosso combustível. Se vivêssemos eternamente, teríamos todo o tempo do mundo para fazer as coisas que queremos e poderíamos deixar tudo para depois, mas nós não temos esse tempo, e é essa sensação de que de que nossa vida acaba aos poucos que faz com que busquemos a cada minuto satisfazer nossos desejos, buscar nossos sonhos.

É como se vivêssemos com uma arma engatilhada na nossa cara. Há várias maneiras da arma nos matar: ela pode disparar acidentalmente, alguém ou até nós mesmos pode dispará-la ou o tempo pode enferrujá-la e fazer com que a arma dispare sozinha.

Você não está ficando mais novo. Essa é sua vida, e ela está acabando a cada minuto. Quando você pensa que você está "matando o tempo", na verdade, é o tempo que te mata.

Você tem menos um segundo de vida, você tem menos dois segundos de vida...

É o câncer do tempo te matando.

Rodrigo Serrano
Enviado por Rodrigo Serrano em 23/08/2006
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