Crônica Oca

Às vezes nos sentimos numa prisão pela inércia, pela vontade de alterar um rumo pelo desejo inesgotável de ir sempre naquela estrada... Algo não acontece, mas a estrada permanece um encanto, vem uma sensação de a qualquer momento ouvir-se um canto diferente, uma voz ao longe, ou um toque sutil no ombro... Às vezes estremeço de uma forma tridimensional como se o toque existisse... Nunca perdi a mania de plasmar o intangível... Quando somos crianças é mais fácil, as sensações são mais puras.

Descobrir pegadas e perceber que alguém percorre aquele caminho e quem sabe, QUEM SABE, não está à grande distancia e possa nos fazer companhia... Acelero o passo como se pudesse engolir o presente e chegar mais rápido ao futuro...Dou de ombros existe uma estranha obstinação de ir sempre em frente, mas no fundo não acredito em mais nada...Queria que fosse por simples descrença, mas não é, é algo mais fundo! E isso não dói!

Quanto dura a pena numa prisão a céu aberto? Só sei que já não sei como podemos abrir os braços, rodopiar e murmuro um arremedo de um grito até terminar num bocejo... Estalar os dedos, puxar os cabelos fios por fio e sentir ,AH SENTIR, os fios deslizando entre os dedos, até que um dedo toque no outro dedo, e digo - ESTOU VIVA...

E vem de mansinho uma vontade imensa de estar num lugar simples, entre pessoas simples com uma sandália de dedo ou sandália nenhuma... Um rosto lavado, uma camiseta solta e um olhar perdido num horizonte onde ao final tem um POR DE SOL, coisa simples básica sem ônus de qualquer ordem... Minha garganta dói...Só agora me dou conta que meu corpo todo dói!...ESTOU CANSADA?

Uma vontade enorme de não fazer nada, um sempre questionar, será que para viver precisamos fazer tanto para usufruir tão pouco... Algo está errado, ainda muito errado...

Num hiato entre tudo, o cansaço, a sensação de estar presa, de estar ilhada, o desejo contumaz que estremece num suspiro, um olhar semicerrado e dos dedos escorrem, escorre estas letrinhas ao léu... mão na garganta, esta dói!

E tudo hoje (agora) é um descompasso... Queria parar aqui e só escrever sem censura, sem mesuras... Apenas SENTIR como me sinto, mas não dá tempo daqui a 10 minutos tenho que por o pé na estrada...

No caminho o pensamento é oco, desprovido, de tempo, e vem um quarteirão e mais outro e no outro e eu tentando lembrar o que fazia ou no que pensava enquanto percorria a quadra anterior, já não lembro... Paro e me concentro para não atravessar a rua... Às vezes penso que vou esquecer... Não devo atravessar a rua, eu preciso desacelerar... Desalecerar... Entrar de novo em contato com um ponto morto de mim mesmo... E voltar a viver... Eu preciso, eu preciso SENTIR, mesmo que doa...

Send... Clic no computador, clic, clic... Levantar , alongar o corpo, fechar as gavetas...APAGAR A LUZ, um último olhar e no corredor a velha sensação me acompanha , será que esqueci algo? E boa noite, boi noite, boa noite... Sorrisos, sorrisos e sorrisos