NÃO DESLIGUE, É SÓ UM RÁPIDO COMERCIAL

Eu tinha feito um relato sobre ratos e homens, asco e crueldade, tortura e barbárie. Exterminei o rato. Fiquei na cabeça com o questionamento acerca da selvageria humana e me esqueci que podia ter chamado a dedetizadora que fica azucrinando o dia inteiro quando estou ouvindo rádio. Uma firma chamada Insetfone. O recurso da repetição de refrão funciona mesmo. A gente memoriza nem que seja de raiva. Mas dei meus pulos e resolvi com uma receita caseira o problema do intruso. Aí, acordei no outro dia e me peguei cantando o refrão do anúncio: “telefone ao menos uma vez, 3273 7373, 3273 7373, 3273 7373... acabe com os ratos de uma vez...”

O assunto é sobre antigos anúncios de rádio, aqueles jingles que ficam impregnados na memória e quase sem querer a gente sai cantarolando. Aproveitando que era de manhã, eu estava tentando me lembrar como era a musiquinha de ‘auris sedina’, umas gotas para dor de ouvido de recém nascidos, lá pelos anos setenta . Nem sei mais se existe esse remédio. Também se quisesse era só pesquisar na rede. Mas não o fiz, afinal não é minha intenção aqui. É apenas para exaltar a capacidade desses anônimos compositores que têm um poder fabuloso de alavancar vendas seja lá do que for. Pode ser produto ruim, marca desconhecida, plano funerário, veneno para inseto, enxada e até remédio amargoso há sempre um musiquinha que soa agradável, tem letra fácil, refrão marcante e melodia contagiante. Ou então o inverso, uma ladainha cansativa, irritante e repetitiva. O negócio é mexer com o subconsciente de forma a não esquecermos que a coisa existe e está disponível em algum lugar, ou através de um telefone. Vem à nossa porta ou então não há quem não fique sabendo como encontrar o produto. Genialidade do lado de quem quer vender e bestialização do outro da cadeia predatória de consumismo. A marca fica gravada com um efeito de convencimento impressionante. Os publicitários sabem muito bem as táticas e estratégias para plantar uma marca na praça. Basta ligar um rádio a qualquer hora para comprovar. A capacidade desses talentosos profissionais é tão grande que a gente prescinde de imagens. Ela se forma na mente pelo efeito sonoro. E assim vamos somando com a televisão e virando essas marionetes consumistas. Seria bom se eles, os jingleiros, fossem remunerados proporcionalmente ao lucro que geram para os donos dos anúncios. Sabe-se, no entanto e infelizmente que não.

Um rapaz que conheci na cidade de Mariana, o Euzébio, muito amável e ensimesmado, sonhava com uma banda metaleira. Seu pai, comerciante de posses lha comprou a parafernália toda, de bateria a guitarra, contrabaixo e violão, surdo e pandeiro, reco-reco e cavaquinho, violino e bandolim sopros e metais de percussão, coisas que dariam para montar uma orquestra, uma escola de samba ou uma banda propriamente como ele queria. Não sei o porquê do seu desconsolo, creio que não havia músicos na cidade com talento musical como ele para formar o time. Também não gostava muito de arredar pé de casa. Ele dizia que o mais longe que gostava de sair era até Ouro Preto, a dez quilômetros de distância. Em compensação era o cara mais requisitado por todo comércio, indústria e serviços da cidade e região para fazer jingles. Queria anunciar sapataria? Euzébio! Novidade na padaria? Euzébio! Jóias, perfumes, prataria? O cara era o Euzébio. Ajudava a vendar qualquer coisa. Ele chegou a fazer um jingle para mim quando fui comerciante. Se eu soubesse ia fazer um jingle pra ele. Uma espécie de metalinguagem musical (se é que existe isso) para compensar a sua desilusão de roqueiro e aumentar o seu potencial de faturamento em outras bandas.

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 04/05/2010
Reeditado em 04/05/2010
Código do texto: T2236360
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