A máquina de cortar cabelo (Lembranças do quintal da minha avó!)

O corte de cabelo era feito ao menos uma vez a cada dois meses. Determinação do meu pai, com a amizade e a gratuidade do corte concedido por seu ‘Osvaldo”, o barbeiro.

Como eram muito amigos, seu ‘Osvaldo” não tinha a coragem de cobrar esse serviço do meu pai. Como era um gesto de amizade, essa gentileza quase sempre era realizada aos finais de semana. No início da semana, recebíamos a notícia de que no sábado íamos cortar o cabelo. A nova era dada antecipadamente para que não sumíssemos pelo mundo atrás de uma “pelada” (jogo de futebol sem esquemas táticos ou funções de campo definidas!).

Levantávamos cedo e ficávamos ali pelo quintal, brincando e aguardando a hora do Seu Osvaldo chegar. Quase sempre essa hora era lá pela hora do almoço.

Lá vinha ele e meu pai. É necessário confessar que o Seu Osvaldo e o meu pai gostavam de tomar umas “biritas” juntos. Por isso quando vinham, geralmente vinham do bar. Meu pai pitando seu “inlargável” cigarrinho de palha e o Seu Osvaldo trazendo á mão a sua famosa maleta preta de barbeiro. Dentro da maleta, se bem me lembro, tinha a navalha, o pente, espumador de fazer barba, o sabão pra fazer a espuma, um vidro pequeno com álcool, uma toalha acetinada, dois espelhos médios e a máquina de cortar cabelo.

Meu pai pegava duas cadeira de madeira e uma toalha de banho. O lugar preferido era sob a sombra de uma das mangueiras existentes no quintal. Numa das cadeiras, o Seu Osvaldo colocava sua maleta aberta; na outra, a gente se assentava para ele dar início ao seu ofício. Ele então cobria o pescoço e a costa da gente com a toalha, pra não nos sujar com cabelo(?). Nunca entendi bem este ritual, pois o corte não era feito num salão e, sim no quintal da minha avó.

Eu nunca saberei dizer onde Seu Osvaldo aprendeu a profissão! Mas posso jurar que não deve ter sido em nenhuma escola de cabeleireiros! Imagino que deva ter sido com alguém próximo e de quem fora, algum dia, aprendiz.

Para o Seu Osvaldo existia apenas dois tipos de cortes de cabelo: o corte baixinho e o corte americano.

O primeiro consistia em aparar o cabelo bem baixinho, com ajuda de um pente e uma tesoura; e o corte “americano” Para esse tipo de corte, ele fazia uso de uma bacia e com um pincel ia “borrifando” água para que o cabelo ficasse ligeiramente molhado e facilitasse o seu trabalho. Depois ele desembaraçava o cabelo com a ajuda de um pente; depois ele ia prendendo pequenas porções de cabelo com os dedos indicador e o médio e, realizando o corte com a tesoura.

A medida de um corte desse tipo era a altura dos dedos indicador e médio do Seu Osvaldo.

Quando realizado dessa maneira o resultado era muito satisfatório. Quando o cliente pedia um corte mais baixinho que a altura de seus dedos, ele tinha que fazer uso do pente de maneira inclinada. Aí começava o problema, principalmente se ele já tinha bebido umas e outras! O tal “ caminho de rato” (um corte cheio de falhas devido ao manuseio errado da tesoura) era certo!”

Para mim e os meus irmãos só existia o corte “americano”, que basicamente, era rapar as laterais da cabeça, a ajuda de uma máquina de cortar cabelo, acionada manualmente. A “maquininha”, acredito eu, era feita de metal, de cor prata. Tinha uma cabeça arredondada,

que era aberta superiormente com uma chave de fenda para trocar as lâminas de aço, que conhecíamos somente como gillete. Na parte de baixo da “cabeça”, ela tinha vários “dentes”, que eram encarregados de levantar cabelo pra gillete fazer o seu trabalho. Conforme a altura de corte que o freguês queria esses “dentes” podiam ser substituídos, variando, em ordem decrescente, do três até o zero; sendo que o zero era o popular “careca”.

Do lado da “cabeça” da maquininha saiam lateralmente duas manetes, ou cabos, como queiram, com uma mola presa ao meio. Para ela trabalhar o Seu Osvaldo tinha empurra-la pra frente, abrindo e fechando a mão

Para que a tal “maquininha” funcionasse bem, bastava estar com “gillete” (lâminas de aço) novas. Conforme ele forçava as manetes pra dentro, a mola central forçava o movimento pra fora. Bastava ele ir empurrando a tal engenhoca sobre nosso couro cabeludo pro nosso cabelo pixaim ir se amontoando na toalha ou no chão. Finda essa verdadeira raspagem lateral, ele aparava nosso cabelo na parte de cima, fazendo uso dos dedos citados e da tesoura; depois fazia “pé do cabelo” ( acertar o corte de cabelo no início do pescoço deixando-o com a forma quadrada ou arredondada) com a ajuda de uma navalha . Diga-se de passagem que por conta de seu estado etílico, esse momento da navalha, era cheio de muita tensão. A gente não dava um pio enquanto ele não terminasse! O toque final era dado quando ele esfregava as mãos com álcool, deixando-as levemente úmidas e passava sobre nosso pescoço. Ele pedia então para segurarmos um espelho em frente aos nossos olhos e, com outro, ficava focando atrás da nossa nuca pra mostrar pra gente como o “pé do cabelo” tinha ficado legal (?). Simples, não é?

O pior é que muitas vezes não meu amigo!! O que a princípio, descrevendo, parecia ser simples, muitas vezes quando a tal “maquininha” estava cega de corte, não era! Após o segundo corte de cabelo, o simples se tornava o complexo.

A “maquininha” perdia o corte! A tal “maquininha” quando estava cega ao invés de cortar ela ia arrancando nosso cabelo. Quando acontecia isso, parecia que a danada não estava cortando nosso cabelo e, sim arrancando, aos puxões, o nosso couro cabeludo. Era um tal de fechar os olhos e chupar os dentes durante todo o processo! Seu Osvaldo, enquanto cortava o cabelo conversava animadamente com o meu pai e os dois nem se davam conta do sofrimento que estava sendo manualmente inflingido a nós, os pobrezinhos!

Éramos cinco: eu, o Alvimar, o Adilson, o Wilson e o Manoel! Quem ficasse por último estava condenado a ser quase escalpelado!

Quando fomos ficando maiores começamos a pedir para o meu pai deixar seu Osvaldo cortar nosso cabelo no estilo “baixinho”. Com muita insistência nossa e o advogar da minha mãe, felizmente para nós, ele concordou!

Sem dúvida era melhor ostentar “caminhos de ratos” na cabeça do que arriscar a ser literalmente escalpelado por uma máquina de cortar cabelo!