Sobre o calar, o falar  e o ouvir

Sou capaz de cochilar em qualquer lugar onde uma pessoa possa cochilar sem causar espanto. Principalmente porque uso óculos e mais ainda porque meus óculos escuros são um belo disfarce. É só tirá-los do alto da cabeça, apoiá-los no nariz e. dormir. Sou capaz não só de cochilar, mas de dormir mesmo. Durmo quando cuidam de meus cabelos, durmo quando espero em salas de consultórios e já dormi até na cadeira do dentista, o que ninguém acredita. Palestras então, onde o palestrante não sabe do que está falando, atraem o sono de maneira irreversível. Essa dormideira acontece geralmente quando não levo alguma coisa para ler porque quando leio eu fico bem desperta. Só não dormi em pé em fila de banco porque seria muito vexame se eu caísse. É melhor dormir em lugares inóspitos do que perder tempo. É que em casa eu sempre tenho alguma coisa para fazer

Mas sou também capaz de fingir que durmo e ficar bem acordada prestando atenção em tudo. Finjo que durmo quando não quero que me amolem com conversas sem propósito, quando quero imergir nas profundezas de mim mesma ou quando quero prestar atenção ao que está sendo falado ao meu redor, mas não quero interferir. Ou interferir só no final com pelo menos um pouco de propriedade. Eu fazia muito isso, desaparecer em falso sono, principalmente quando tínhamos terapia de grupo há uns anos atrás. Hoje não posso fazer isso porque o grupo agora é de duas pessoas apenas e ia pegar bastante mal se eu fingisse estar dormindo. Mas eu fazia. Só ficava escutando com atenção só abrindo a boca quando era requisitada, ou acordada

. Acho que foi nessas sessões que aprendi uma coisa muito importante na minha vida: ouvir. E eu que falava feito um papagaio desde que acordava, dando palpite em tudo, sabendo de tudo, aprendi a me calar. Foi uma das melhores coisas que aprendi na vida. Ouvir o outro. No começo era apenas uma defesa, calar para não me expor, mas com o tempo descobri que mais se aprende sobre si mesmo ouvindo do que falando. E esse ensimesmar-se, deixando as palavras entrarem e fazerem o seu serviço no cérebro sem precisar devolvê-las imediatamente além de colocar juntas as suas próprias palavras faz a qualidade de vida aumentar. Já se dizia que em boca fechada mosquito não entra e só quem já passou por essa experiência sabe como isso é verdadeiro. E ruim.Se é que alguém tem duvida, experimente engolir um mosquito.

Não estou dizendo com isso que não goste de conversar. Gosto e muito. Sobre tudo, até sobre a vida alheia. Meus assuntos proibidos são apenas aqueles em que são usadas palavras chulas, entram na intimidade dos outros ou fazem pré julgamentos sobre coisas e pessoas sobre as quais nada sei. Ou não tenho nada com aquilo. Macaco esperto não mede a mão em cumbuca.

Dizem que calar é ouro e falar é prata então tento seguir esses valores. Mas há um detalhe, faço isso com a palavra falada, mas não com a palavra escrita. Ah, a palavra escrita é a minha perdição. Não há jeito de segurar as pontas de meus dedos quando vejo um teclado de computador. E é aí que muitas vezes acontecem as barbaridades. Porque sou capaz de perder o leitor, mas nunca a crônica. E muitas vezes visto saias justas por causa disso. Mas, paciência, fazer o que
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