DESMERECIMENTO EM PROSA - "TÁ PEGANDO QUEM?"

A contabilidade já foi uma fria matéria de números resultantes das perdas e ganhos de financistas e produtores em geral. Agora está nos quentíssimos diários de beijos das meninas e nas embaladas conversas de meninos. Quantos beijos e quantas namoradas(os) no melhor estilo: - “tá pegando quem?” como se tirassem alguma mercadoria da prateleira para usar e devolver ou jogar fora e trocar por outra mais vistosa, cheirosa e gostosa. É um termo usual, muitos poderão dizer que é da moda, é da onda, é maneira, véi. Eu tô ligado, mas não me conformo mesmo assim. Entre tantos insultos à dignidade humana, entre tantas insignificâncias que estamos adquirindo para suprir nosso lado gente e empatarmos pari passu com as mercadorias, “tá pegando quem?” para mim está num dos primeiros lugares em termos de desmerecimento humano.

Hoje, tratarmos esse termo por conta das idéias de machismo e antigos ideais de feminismo não encontra mais eco no meio da juventude que sequer se dá ao trabalho de pensar a individualidade e a auto determinação como valores psicológicos e sociais. Estão em sua maioria nos embalos do que ditam os valores econômicos para serem transmitidos subliminarmente ao seu comportamento. Individualismo é a palavra mais apropriada para se conceituar as bases que sustentam o trato entre uma pessoa e outra ou entre uma pessoa e o restante da coletividade. É desmerecimento à medida que não se buscam mais outras formas de se qualificar relações fora de um sistema que envolva recompensas materiais palpáveis e imediatas. Qualificar, aliás vem sendo um gesto afirmativo de quanto vale, quanto custa, qual o resultado em termos de ganhos. Usurpou o significado de quantificar. Não arreda pé de um materialismo insistente em ser a única forma de valoração humana. Assim, o “Tá pegando quem?” significa uma materialização do indivíduo em um formato de coisa , de objeto de uso e descarte. Claro que os sentimentos podem acabar aflorando em algum momento, mas ele dificilmente vai se descolar da base que o originou: o ser coisa-propriedade, bem de consumo. Aí, quando e se aflorarem sentimentos é que vai ser determinado se o bem será de consumo durável ou não durável, tal como fazemos com os objetos e utensílios que nos emprestam alguma serventia no nosso dia-a-dia. Talvez por isso, complementem o desmerecimento tão gravemente com a uma ameaça velada a quem não se enquadra ou não quer fazer parte do jogo por qualquer motivo, dizendo: “a fila anda”.

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 12/05/2010
Reeditado em 14/05/2010
Código do texto: T2251828
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