DESMERECIMENTO EM PROSA - PRECONCEITO

Há fenômenos que são tão evidentes, são tão marcantes, são tão universais que dá para falar deles sob muitos pontos de vista. Inspiram muito, provocam muitas emoções e são racionalizados também por conta de sua manifestação. Uma lua cheia e o preconceito, por exemplo, são dois temas de que se pode falar de inumeráveis formas. Apesar de o primeiro ser um fenômeno natural e encantador e o outro ser um fenômeno social e assustador.

Um dia, véspera de final de um ano qualquer, o jornalista Boris Casoy falou em pleno jornal que estava no ar na televisão em rede nacional que os dois garis que desejavam feliz ano novo ao povo brasileiro eram o tipo mais baixo na escala social. Eles não teriam então o direito nem de desejar a tão sonhada felicidade para o próximo. É uma forma legítima de pensamento, essa do Boris, já que historicamente a elite nacional vive mesmo da hipocrisia, almejando resquícios de nobreza e jogando o lixo debaixo do tapete para os seus serviçais sem nenhum valor limparem depois. Um estudante de pós-graduação em psicologia da Universidade de São Paulo (USP) fez uma brilhante tese sobre a invisibilidade que têm certas pessoas na sociedade pela profissão que exercem. Na hierarquia de valores, o peso humano é medido pelo status não somente financeiro mas também profissional. Ele ficou oito anos passando-se por gari dentro das dependências do campus e não era notado pelos colegas e professores. Disfarçava-se com um macacão e vassoura nas horas que não estava nos estudos e assim passava incógnito durante a varredura à cata do lixo universitário. Pode-se considerar isso como um preconceito usual que estamos habituados a lidar. O aluno da USP conta que seus professores, colegas e orientadores passavam por ele e sequer olhavam em seu rosto. Dar bom dia, ou boa tarde, nem pensar. Parecia uma parte da paisagem daquele belo campus, menos notado, o entanto, do que os elementos fixos da paisagem tais como árvores, postes, prédios e outros ornamentos. Ele se movia, portanto não chamava a atenção. A sua ausência e não a presença somente seria notada se o campus deixasse de ser varrido ou o lixo fosse acumulando. Quanto ao Boris Casoy, dispensa comentários. Não creio que seja uma pessoa que mereça tecer considerações ao seu comportamento por trás de sua máscara verborrágica usando aquele bordão “é uma vergonha”.

Não há de medição para o preconceito. Todos são abomináveis. A desclassificação é a chave nesse terreno onde entra uma velada disputa. Se o ser humano não compete como os animais pela sobrevivência através da eliminação e o alimentar-se do outro literalmente, procura destituí-lo de qualidades para se sobressair. Isso é sobrevivência. Não importa a que preço. Um preconceito também indica o formato piramidal da sociedade. Quando se olha alguém de menos posse e lhe é dado tratamento diferenciado. Quando se olha uma pessoa de cor diferente e se faz julgamento considerando uma cor melhor do que outra, ou quando transforma a pessoa da outra cor em uma raça distinta e inferior. Quando se tem bens e se ganha reverência onde quer que se vá em função do patrimônio. Quando se trata a sexualidade diferente como deplorável. Enfim, eis mais uma forma de desmerecimento.

E temos os cúmulos: já ouvi de diversos donos de cães que quando estes se agitam muito diante de pessoas negras é por não gostarem da cor. Uai, pelo que consta dos conhecimentos científicos os cachorros não possuem a faculdade de distinguir cores! Então, quem é que não gosta?

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 14/05/2010
Reeditado em 14/05/2010
Código do texto: T2256024
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