 Ensinar e aprender é uma questão de exemplo

Vovó Lucinda me ensinou muito.... muito mais do que ela possa imaginar ... vivia dizendo frases de efeito, sábias.... e sempre no momento certo. Era impressionante a sabedoria dela. Se hoje eu me considero uma boa mãe devo a ela. Com o que aprendi com ela, com fatos como o que vou relatar agora.

Minha irmã e eu brigávamos muito, embora nos amassemos muito também, Márcia era o que eu queria ser para mamãe, e eu era o que Márcia queria ser para papai....Quando escrevi a minha primeira poesia e fui mostrar pra Márcia ela ficou enciumada e me acusou de ter copiado dos escritos de mamãe, eu tinha apenas 9 anos. Quase morri de raiva.... Avancei nela e comecei a bater, xinguei de cadela, filha da puta, biscate, tudo o que vinha na mente...

Ela no meio de minha agressão perguntou: Eu sou filha do que? __ da puta ___eu respondi tomada pela ira, eu nem sabia o que estava falando, não tinha entendimento da coisa, senti alguém me tocando o ombro, e me virei... era mamãe. Foi o primeiro tapa no rosto que tomei. Minha bochecha queimava, minha alma ardia. Márcia arrependida correu e me abraçou, chorando comigo, voltou-se contra mamãe. Que chorava também. Não sei até hoje em quem o tapa doeu mais.

Naquela tarde fugi de casa. Levando duas calcinhas, a minha conga branca ( uma espécie de tênis ) e uma blusa de frio. Fugi.... pra casa de vovó.

Ao entrar fui direto pro quarto de madeira que ficava no quintal da casa , com certeza vovó estava lá, fazendo a novena pra tio Eca parar de beber. Entrei e fiquei sentada no toco que ela tinha no chão metade tijolo, metade batido do quarto de orações dela. Chorando esperei ela terminar a reza.

Vovó se virou pra mim e me perguntou o que tinha acontecido. Eu contei. Sua mãe te bateu no rosto? __ Sim... ____ No rosto? (ela insistiu na pergunta por 4 vezes, por quatro vezes eu afirmei ) ela não me disse nada, pegou o terço e voltou-se pro Menino Jesus de Praga e iniciou uma nova novena. Eu fiquei ali esperando ela terminar o terço. Depois ela se levantou me tomou pelas mãos e só quando entramos em casa ela viu a minha malinha. Deixa eu morar com a senhora vovó. Mamãe não gosta de mim. Ela sorriu me abraçou e chorou comigo sussurrando em meu ouvido Sua mãe te ama Marluci, sua mãe te ama.

Eram 6 horas da tarde quando papai chegou de carro com mamãe e Márcia. Mamãe nervosa entrou perguntando se eu estava ali. Vovó fazia o fuxico pra seu novo tapete ouvindo a Hora do Brasil ( um programa de radio) . Papai em seguida, corri pra ele e o abracei. Vovó largou o fuxico e disse BETINHO, VAI COM MARCIA PARA A SALA. HENA VOCÊ E MARLUCI VEM COMIGO. Era uma ordem. Não tinha como não obedecer.

Fomos para o quarto de tio Carlinhos e tio Tuca. Eu me sentei na cama indicada por vovó ( a de tio Tuca) e mamãe na cama de tio Carlinhos. A cama de tio Carlinhos e de Tio Tuca ficavam no quarto que ficava entre a varanda onde fazíamos as refeições e o quarto de vovó. Eu e mamãe, sentadas ressentidas uma com a outra, olhando nos olhos, chorando uma em frente da outra. . Vovó entrou no quarto dela e de lá veio com o XALE PRETO. Eu tremi nas bases, mamãe se levantou num ímpeto e tão rapidamente quanto levantou despencou na cama com o tapa que recebeu no rosto. Eu corri para socorre-la, tal qual Márcia fez comigo. Vovó parada me deu a primeira lição do que é a educação. Filho é como trepadeira, a gente educa de pequeno. Se você quer que a trepadeira vai pra esquerda você finca o pau, amarra ela e ela vai; se você quer que vai pra direita, fica o pau, amarra ela e ela vai.... mas você tem que fazer isso quando a trepadeira é brotinho ainda. Se você não amarrar nada, não mostrar a direção, a trepadeira não tem rumo pra seguir, desce, se mistura com as ervas daninhas e de repente não é mais trepadeira ...É MATO. Parou ...olhou pra mamãe e completou. Você é o que eu te ensinei a ser, você seguiu a direção que eu te indiquei, se você acerta é porque eu acertei, se você erra, é porque eu errei. É assim que a coisa funciona. É assim que a família funciona. Eu não me lembrava de ter batido em seu rosto, precisava fazer isso pra poder pedir desculpas a minha neta pelo o que você fez. E virou-se pra mim.

Marluci, sua mãe te ama, eu sei, eu conheço minha filha, ela esta dividida entre o amor e o ciúmes que ela sente de sua inteligência, sim... porque ela sempre foi o gênio desta família, ela não parou pra perceber que você puxou a ela, assim como ela puxou seu avô. Estou te pedindo como avó e como mãe. Perdoe sua mãe. Nunca bata no rosto de um filho. Ela só bateu em você porque já apanhou de mim assim também. O Erro é meu que ensinei errado pra ela. Perdoe minha filha.

Voltou para o quarto dela, tirou o XALE PRETO guardou no guarda roupa e foi pra sala ao encontro de papai e de Márcia.

Betinho, pode levar sua mulher e sua filha, isso não vai mais se repetir. Foi a ultima vez que mamãe levantou a mão pra mim. Desde então passou a ser conversa, sermão seguido de castigo, algo que eu gostava e que me era proibido pelo numero de erros que tivesse cometido em reincidências.

Marluci Brasil
Enviado por Marluci Brasil em 26/08/2006
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