EU NÃO ME RENDERIA

Eu não me renderia. Ainda que fosse a última faísca, não me renderia. Gosto de bancar o forte, o imponente, o dono de mim, e as vezes, o dono de todos. E quem gosta de fazer isso não pode, em hipótese alguma, se render. Meu negócio é ter o controle da situação, então, sou enfático: Eu não me renderia.

Não gostaria de definir como prepotência, soberba, mas se é o que aparenta, pois que bem. Já pensou? Eu, logo eu, entregando-me por completo? Jamais. O que eu gosto mesmo é rir de maneira debochada, de te fazer de mais uma, de lhe colocar um número na testa e por este lhe identificar. De tirá-la deste local de destaque que persistes em permanecer, e jogá-la no meio da multidão. Sabe porque? Porque, de maneira alguma, eu me renderia.

Não venha me dizer que não há motivos pra tal, pois tu me conheces e não é de hoje. Como pode alguém se entregar de tal maneira? Será que essa sensação de levitar é tão maravilhosa assim, como você diz? Tratei de amarrar duas pedras ao meu tornozelo, pois, como sabes, eu não me renderia. Não me obrigue a fazer disso o meu divã, o ponto nevrálgico dos meus pensamentos, te peço. Se faço isso é por restar-me ainda algum resquício de sanidade.

Mas você sabe o porquê de eu não me render. Não me rendo porque sou assíduo espectador da novela da vida, do livro narrado ao meu redor. Decerto que não guardo qualquer sentimento ruim acerca de ti, infinitamente o contrário, mas, sinceramente, qual a necessidade de sermos mais dois nessa ficção diante de nossos olhos? É, ficção, ou você acha que, de fato, este utópico sentimento existe? É coisa que inventaram e deram nome!Fatos, linda, falo de fatos! Estatísticas! Inclusive, descerei do meu "pedestal", como você gosta de dizer e, desta vez, serei diferente: Nós dois, juntos, não nos renderemos. Que tal?

É, eu sei que tu percebes que não estou nos meus melhores dias. Por isso, sabes que as ofensas ditas anteriormente não passam de blasfêmia. Não quero te fazer de mais uma, e mesmo se quisesse, não conseguiria, é mais forte que eu. Te identifico pela mais sublime de todas as palavras, aquela que nós escolhemos juntos. Não há mais como retirá-la de sua apoteose, já está alicerçada. Essa é a pura verdade. Porém, mesmo assim, linda, eu não me renderia. Não eu.

Mas, engraçado, onde estão as pedras que amarrei ao meu tornozelo? Acho que transcenderam à minha vontade... Ou apenas a explicitaram?

É verdade, linda, faz levitar...