O "beija-frô"

Lá vamos nós pra mais um dia de trabalho.

Na época em que eu trabalhava com advogada contratada num escritório em que a maioria das causas eram previdenciárias, o meu “tour” pelos INSS’s da vida era rotina. Às vezes íamos em bando, noutras sozinhas mesmo. Nesse dia eu estava só...

Era mais ou menos umas 07h00 quando eu já enfrentava a fila do INSS de Piracicaba. Quem conhece o esquema do INSS sabe bem dizer que tem dias que aquilo é um verdadeiro inferno.

Cá entre nós a agência de Piracicaba era uma das piores que já freqüentei. Muito antiga, com inúmeros degraus, prontos a causar danos a um desavisado de plantão.

Bem ... no dia do beija-flor aconteceu o seguinte: eu estava lá na fila, esperando a minha vez de ser atendida, quando de repente eu vejo um senhor no auge do seus 70 anos, que não viu o degrau e estava prestes a cair no chão. Num impulso eu tentei segurá-lo, mas eis que tropeço também. Só não caí porque um outro senhor me segurou pelo cós da calça. O Senhorzinho se estatelou no chão. Ninguém evitou a queda. Olhei para o homem que havia me segurado pela calça, e, com um ar de mau humor, agradeci.

Passei pela atendente, peguei a minha senha e estou lá esperando pra ser atendida. Eis que o solicito senhor chega perto de mim e dispara: “bunito beija-frô”. Nossa ....minha face tingiu: o filho da puta deve ter visto o rego, a calcinha e tudo mais, pois se ele viu a minha tatuagem, imagina o que mais ele não viu. Balbuciei um “obrigada” a contragosto e tratei de sair de perto dele. Nessas alturas eu estava pensando: e se ele não consegue me segurar pelo cós? E se a calça rasga? Eu ia ficar com as partes de fora e com o beija-flor exposto pra quem quisesse ver. Sorte a minha que o tecido era bom e não rasgou.

Fiquei durante um bom tempo me esquivando dele. Vai entender cabeça de homem, só porque viu uma bendita tatuagem num lugar onde não era pra ele ver, ficou todo cheio de sorrisos. Como se o fato de ter visto minha pele desenhada fosse um passe para entrada triunfal em busca do vale encantado.

Sorte a minha que a calça não rasgou e azar do senhorzinho que se estatelou no chão.