FILHOS, POR QUE BATÊ-LOS?

Escrevo na qualidade de filha, mãe e avó. E, do jeito que vai a juventude, quem sabe, daqui a pouco, bisa, pois meu primeiro neto tem 13 anos de idade. Entrando na pré-adolescência. Hoje tem isto de pré-adolescência. Com meu pai, não tinha disto não. Era do jeito dele ou nada.

Na minha casa, não se admitia bater, ato de violência e de gente sem educação, “sem modos” _ conforme dizia a minha mãe. Nem repreensões eram toleradas, mas se necessário fosse, isto tinha. Bastava o olhar que trazia um recado inapelável. O olhar funcionava. De qualquer maneira, e, para não ser melhor que as minhas amigas, levei uma cinturãozada.

Você não sabe o que é cinturãozada? Que bom, então. Quando uma menina de treze anos se assanhasse pra namorar, aí o pai puxava o cinturão e dizia: “Aqui está o seu namorado”. Penso que tinha menos que treze quando me meti a ficar mais tempo frente ao espelho (logo se notava!) e a me plantar na calçada e ficar de olho vivo e brilhante esperando aquele menino lindo. Entre agora! Bati o pé. Não entro não. Entre! Não! E senti foi a lapuada nas pernas finas. Também não sabe o que é lapuada? Na linguagem popular do nordeste, lapuada é justamente quando o cinturão, a corda, o cipó queimam nas pernas, nos braços, onde pegar (atingir). Era só uma. Foi só aquela e entendi. Comecei a traçar estratégias para ver o menino sem levar lapuadas.

Quando escuto Luís Gonzaga cantar o Xote das meninas... logo me recordo daquela época do reino do cinturão.

Comecei a minha vida de mãe, em julho de 1978, e até a primeira filha crescer, vamos para o final da década de 80. O mundo com outra leitura, quase nada do que valeu para mim, teve a mesma serventia para ela. Pior para os que vieram depois. Tentei de todas as formas o olhar que herdei do meu pai, a autoridade indiscutível da minha mãe. Consegui alguma coisa, não foi de todo perdido. Tenho certeza disto quando ouço as ex-colegas de colégio e faculdade, amigas, colegas de profissão contarem suas experiências maternas. Muitas sofrem tanto com os filhos que estão envelhecidas, padecendo de vários tipos de doenças, inclusive depressão. Dessas, há as que murcham não só por conta dos filhos, mas também pelos maridos. E digo mais, não é gente pobrezinha, mas principalmente de classe média alta. Os filhos, tanto rapazes quanto moças vivem experiências duras, frequentando shows ao ar livre e boites da moda, alguns já faleceram em trágicos acidentes de trânsito. Essa situação é bem conhecida no mundo e, penso, no Brasil, festeiro que é, vai além da conta.

Vi o mundo nu e de pernas para o ar, tive que passar noites acordada para esperar o fim da festa. Uma ansiedade maior que todas as outras que conhecemos. Rezei todas as orações, ajoelhei-me em qualquer lugar, pedi, clamei a Deus pelos meus filhos. E tudo repetido, uma vez para cada um deles, quatro: três moças e um rapaz.

Não levei surras, nem murros, nada. Não gosto, não aprovo e não sei bater. Nem quero aprender. Muito menos aconselharia mães ou pais a usarem esse recurso grosseiro. Vejo pessoas amando, beijando e “conversando” com animais irracionais enquanto, por outro lado, sovam seus filhos. Não, isto nunca. Tem que aprender sem apanhar, sem medo e sem mentiras. Dá trabalho, sim, e muito.

Vi mulheres saírem para as noitadas e deixarem filhos com empregadas porque achavam que assim prendiam o marido. O meu eu soltei, entre ele e os filhos, escolhi os filhos. E nunca por isto me deixou. Teve suas aventuras, todos têm. Quase todos. Pois que tenham. E eu que solteira não perdia festa, _ mesmo meu pai reclamando, saía _ renunciei a muita coisa pelos meus filhos. Nem bati e nem apanhei. Todos me amam. E eu mais ainda.

Mas, para não fugir à regra, há sempre a exceção. Houve momentos em que tive que mostrar quem é que manda. Mostrei. Dou um tapa de surpresa, acerte onde acertar e deixo lá o carimbo da minha mão. Eu fiz isto com uma certeza, a de que, se o tapa não funcionasse, o caso era perdido. Então, eu não mais insistiria. Não mesmo. Acompanhar a movimentação de filhos tem limite. Chamo e digo a verdade e mando que assuma os seus atos, pois sempre assumi os meus. E ainda digo: se fizer algo errado, não me chame, terei vergonha. Se eu fosse dizer tudo que vivi, nem sei quuantas páginas escreveria.

Agora, vamos ver o mais difícil. Tem ocasiões em que filhos merecem apanhar? Sim, tem, mas pode começar a rezar porque esses que precisam de surras periódicas, jamais se modificarão. A não ser por milagre e mãe não é santa.

Tenho netos e o maior, o de 13, está comigo. Já dei as ordens: EU MANDO AQUI. CERTA OU ERRADA, EU MANDO. AQUI ATÉ O AR QUE VOCÊ RESPIRA É MEU. OLHE BEM PRA MIM E PRESTE ATENÇÃO: EU SOU A LEI, ENTENDIDOS? SOU DITADORA, SOU FIDEL, O QUE QUISER DIZER E ACHAR. SE ASSIM NÃO GOSTAR, PODE IR PARA A CASA DO SEU PAI OU ESPERE QUANDO EU POSSA LEVAR VOCÊ PARA A CASA DE SUA MÃE.

Pronto, tudo certo, o respondãozinho entendeu meu recado. E já dei uma palmada, uma só, de supresa. Pedi a mão. Deu. Tome! Jogo limpo, claro, cartas na mesa, recado objetivo. Diálogo. Quer dizer, monólogo. Eu não aceito que se manifeste na hora em que estou falando. É pegar ou largar. Ele sabe que ficar com a vovó moderna é bem melhor que ficar com o pai que é novinho, mas brutinho. E bate!

Fiquei sabendo que tramita no Congresso uma lei que proíbe pais de darem palmadas em filhos. Para mim, chega um pouco tarde. Mas, ainda tenho outros netos e um deles que nunca vi a não ser em fotos e câmera de computador, é espanhol, nascido em Madri, terra de homem enfrentador de touros. Pois lá chegarei e mostrarei quem é o toureiro. Prepare-se, Ádrian, que a abuela vai descer em Bajajas. Mas, Ádrian é vivo e parece já entender com quem está lidando, pois fica todo safadinho e rindo quando vê a vovó brasileña na cam e ouve a voz. Eu o beijarei e abraçarei, mas se preciso for, darei uma palmada na bunda daquele espanholzinho, ainda que o pai avance na minha direção. Ô pai coruja!