Crônica em construção

Foi na década de 60 quando vi aquele chapéu na vitrine, eu disse pra mim mesmo, esse chapéu novo vai ser meu.

É claro que com muito suor e trabalho, quer dizer, pedindo aos amigos desconhecidos, se é que me entende!.......Depois da conquista fiquei todo orgulhoso ao sair as ruas.

As pessoas até me respeitavam, davam comprimentos embora as roupas dissessem ao contrário, mas tudo bem, e lá ia eu puxando a ponta do chapéu e comprimentos à todos com um sorriso.

Mas como a vida dá voltas pensava eu. Fui vencido pela vida.

Como o tempo passa rápido e não nos damos conta.

Moro se é que posso chamar de morada nos becos entre papelões de diversas cores e marcas de produtos caros, se é que isso importa realmente. Sol e chuva é o meu teto.

Mas não moro sozinho. Quem de nós não tem amigos!

Um desses amigos é o advogado, quer dizer, ele foi um advogado, ganhou muitas causas para muitos, mas não consegue ganhar sua própria. Até a sua mulher que tanto se dedicava, o largou fugindo com um amigo seu. Não precisa dizer que caiu numa penúria só, definhou-se ao ponto de perder tudo que tinha. Arriscou-se na jogatina, na bebedeira, menos drogas, ah isso não! “Não iria descer tão baixo”, dizia ele. Perdeu tudo. Não lhe restou outra opção senão a mendicância, infelizmente.

Eu falei infelizmente?

Porque eu também estou nela, na mendicância.

Bom! Continuando, onde o encontrei, ou ele me encontrou, sei lá tanto faz. Travamos uma boa amizade e agora vivemos no mesmo espaço. Nós somos do tipo de pessoa que as pessoas passam pra lá e pra cá, e nem observam, parece que somos invisíveis, esquecem que já fomos alguém igual a eles.

Na verdade muitos nem sabem desse fato ou não imaginam tanto.

O advogado é simpático, cabelo grisalho, nariz afilado, assim meio nariz de estátua, mais ou menos isso, um metro e sessenta, olhos de jabuticaba, olhar meio vago, mas inteligente. Um pouco imponente, as vezes caído pela dificuldades de enxergar por falta de óculos que quebrara no ano passado. Tem um tic nervoso de advogado tentando ganhar uma causa, gosta de ficar estalando os dedos para chamar a atenção quando fala. O que conta mesmo é que o admiro pela pessoa que é, muito humana.

Tenho outro amigo, ele é meio estranho, dificilmente dá pra esquecer uma personalidade dessa. O nome dele é salsicha. Já percebeu que morador de rua não tem nome é só apelido? Pois é. Esse apelido não é por acaso não, não é por ser magro, ao contrário, ele sempre foi gordinho. Ele tem o hábito de ficar espreitando a carrocinha de cachorro quente esperando a moça do cachorro, a do cachorro quente, dar mole e deixar a salsicha cair no chão, ele fica torcendo por isso, só pra disputar com os gatos e cães que por ventura* estão esperando a mesma coisa que ele.

Salsicha conta que, quer dizer, não a salsicha verdadeira, você me entende, que a salsicha que cai do carrinho, aquela que é disputada pelos gatos e ele, não tem diferença de gosto, pois continua sendo a mesma salsicha, o sabor é o mesmo.

* Nota - Se seu significado for "por sorte" é separado (por ventura); se for "por acaso", é junto (porventura).

* Procure mais obras sobre o autor Binet e comente por favor.