Aula de história para um público adulto da zona leste.

Quando terminei o meu curso de História na USP eu era mais do que apaixonada pela causa operária. Onde havia trabalhador pobre, bairro operário eu estava lá, tentando de alguma maneira me comprometer. Foi nessa época que passeava muito pelo Ipiranga, olhava com encantamento para o Brás, Mooca - orra meu – para o Belém. Bairros operários sempre me chamaram a atenção, sobretudo depois que fui aluna do brilhante professor Edgard Carone – um grande mestre na historia do movimento operário no Brasil, com vários livros publicados sobre essa mesma temática. Uma vez ele mesmo contou, numa das suas brilhantes aulas, que gostava de passear pelos bairros operários.

E eu queria mesmo era dar aulas para pessoas simples, com todas as formas de dificuldades e problemas de sobrevivência. Eu lia o jornal “Voz Operária” e me encantava com aquele espírito de luta, com a força daquelas massas trabalhadoras para se buscar uma nova sociedade e se desenhar um outro mundo com menos exploração e mais igualdade. Esse assunto era por demais fascinante para mim e assim eu ia, como grande simpatizante da causa, me aproximando cada vez mais dessas pessoas, desses espaços e me afastando de qualquer tipo de apelo burguês. Eu me recusava terminantemente a deixar o meu curriculum vitae em algum colégio ou pré-vestibular que ousasse bater palmas para os desmandos da ditadura. Eu queria respirar como o povo respirava, sentir como eles, pensar e sonhar como todos aqueles homens e mulheres de mãos e almas calejadas.

Então eu me dividia profissionalmente e um dos cursos ministrados por mim era na Zona Leste. Eu saía bem cedo da Vila Sônia, tomava dois ônibus, sendo um elétrico e passava a trabalhar com a máxima garra e crença na construção de um mundo melhor.

Em plena avenida Celso Garcia o curso funcionava em três períodos e o público era composto por trabalhadores da Eletropaulo e operários de indústrias próximas. Muitos alunos eram membros do Partido Comunista com um longo histórico de correr da polícia.

Mas outros eram mais complicados, pois eram pobres mas tinham cabeça de rico. Comiam, se vestiam, moravam, viviam como pobres, mas pensavam como a elite gostava. Coisa complicada!

Numa das turmas eu era a única mulher. Eu levava o trabalho com muita seriedade e fingia não acreditar que algum aluno poderia fazer alguma gracinha. Mas era visível que um dia fariam. É constrangedor dizer, mas era notória a inveja que alguns deles nutriam, afinal eram machos, mais velhos, alguns com alguns cabelos brancos e eu muito moça e elegante nos idos dos anos 80.

Numa noite, um deles resolveu aparecer e me constranger. Levantou a mão e disse que queria uma aula sobre sexo. Eu não tive a mínima dúvida, não me envergonhei, não gaguejei. Imediatamente comecei a aula discorrendo sobre o tema “Sexo e Nazismo”.

Comecei a definir o Nazismo como uma política de alianças entre o Estado e a Burguesia num momento de caos nos anos 30 na Alemanha, quando a mesma tentava uma revanche em relação às potências vencedoras da I Guerra Mundial e às imposições e humilhações estabelecidas pelo Tratado de Versalhes em 1919 etc e tal. Assim, para que o exército fosse suficientemente forte e imbatível, Adolf Hitler elaborou uma política de estímulo à natalidade, visto que o Fuhrer jurava dominar o mundo por mais de mil anos. Assim, a sexualidade sob o III Reich – o terceiro império alemão – estaria a serviço do poder do Estado, e não a serviço da vida no seu sentido pleno, humano, amoroso e de perpetuação da espécie.

E continuei, continuei...

Eu não sei o que pensaram, mas todos eles ficaram muito sem-graça, calados, me olhando e com aquele ar de quem diria: “queríamos aparecer, te desmoronar e nos demos mal”... só que eu falei demorada e calmamente sobre o assunto e não perdi a pose.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 20/05/2010
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