COM UM PÉ NA ROÇA

Lá pelas 8 passo na loja da Tina. Vou pegar uma malha que encomendei. Expediente começando. O povo pra lá e pra cá com cara de sono. Minha amiga se perde no computador. Consulta suas contas. Aguardo que me despache. Bonita, a loja da Tina. A frente toda em vidro. Como todas as lojas ali do centro comercial. Bom gosto em tudo. Nos balcões, nas prateleiras, na decoração. E o casal de manequins? Uma graça, a Kika e o Kiko. Vindos de São Paulo. Tamanho natural, elegantes, perfeitos! Só faltam mexer e falar. Gente de verdade, sem tirar nem pôr...

Pelos vidros, olho os corredores da galeria. Bastante movimento. Pelo jeito o dia vai ser animado. De repente eu os vejo: um casal de idosos. Duas inusitadas figurinhas apontando lá no fundo. Ela baixinha, traja vestido estampado, o cabelo amarrado num coque. Numa mão, uma sacola plástica, na outra uma sombrinha cor-de-rosa. Ele já meio curvado, veste uma calça rústica, camisa xadrez, usa um chapéu preto e botinas de couro. Pessoas simples, da roça, logo se vê.

Não estranho o casal. Com certeza não vão às lojas. O que se vende por ali não lhes interessaria. Vão certamente ao segundo andar. Lá funcionam os escritórios de advocacia e a sede do Sindicato Rural. Muitos vêm em busca destes serviços. Costumam ficar meio perdidos entre as lojas. Bem comum essa gente simples do meio rural, por ali, atrás do endereço de alguma sala.

O casal vem devagar, relutante. Acompanho-os pelo vidro. Parecem meio ressabiados. Olham para os lados. Vê-se que não se sentem à vontade no ambiente. Ele parece mais distraído. Para, olha algumas vitrines. Ela, não. Está preocupada procurando por alguma coisa. Provavelmente pelo lugar em que vão tratar de seus assuntos. Dá pela falta do companheiro. Olha pra trás. Volta alguns passos e, literalmente, o “pesca” pelo colarinho, com o cabo da sombrinha. Dá de braços, diz alguma coisa. Não ouço, é claro.

Por fim, ela resolve. Toma uma iniciativa. Passos largos, caminha decidida. Vem pra loja da Tina. O marido na sua cola. Param diante da porta. Chego a pensar que vão entrar. Mas ela nem me nota. Também nem olha a sua volta. Sem hesitar dirige-se firme para a Kika, que expõe um modelito bem à entrada, “Moça, cê sabe me dizê adonde é a sala do dotô Barbosa?”. O manequim, na sua frieza de massa, nem pisca. Kika é só uma impassível estátua de beleza estonteante! A velhinha lança-lhe um olhar indignado. Sai arrastando o marido pelo braço. “Vomo Antonho, ês povo de cidade num tem um pingo de inducação! Num presta pá respondê uma priguntinha da gente, credo!”.

Vou atrás ver o que posso fazer pra ajudar...

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Caipira

Chaleira no fogo,

perfume de lenha,

e a conversa gostosa

à luz de lamparina.

Bolo de milho,

café de garapa,

e o sorriso francodos

que sabem tudode chás, de ervas

da mata.

Assombração,

histórias fantásticas,

?juro que é verdade?,

inocência que comove

(Poema de LUCAPACHECOPAC, carinhosa interação; obrigada, poeta)