Almas gêmeas

Romeu Prisco

É no que mais se ouve falar, quando alguém está carente de amor, sem companhia. Explicando: todos, homens e mulheres, estão sempre buscando a outra metade da laranja, para que se completem a si próprios, resultando numa única laranja.

Será que a solução é mesmo essa ? Será que a felicidade consiste em partilhar e ter afinidade por idênticos gostos, desejos, prazeres e atividades ? Será que é assim mesmo que alguém se completa, ou será que é assim que alguém está apenas se encontrando e se auto-amando em outro alguém ?

Sou mais a última opção. Como pode alguém se completar com outro alguém, se este só tem para lhe dar aquilo que ele já tem ? Seria como tomar café com café, leite com leite, mas nunca, café com leite. A história está cheia de exemplos de homens e mulheres poderosos, cultos e inteligentes, que se realizaram e encontraram a felicidade na companhia de pessoas com características totalmente diferentes.

Tomo a liberdade de colocar a minha situação. Estou casado há 35 anos com a primeira e única mulher, assim como ela com o primeiro e único homem. Ambos nos amamos e vivemos em harmonia, que, de perfeita, diga-se de passagem, não tem nada, caso contrário, a monotonia, esta sim, seria perfeita. A minha mulher adora salsicha cozida e cortada em pedaços, com batata também cozida e cortada em pedaços e molho de tomate, enquanto que eu, sempre detestei. Todavia, não é que agora já descobri o sabor daquele prato ?

Eu sempre gostei de dançar e de praticar natação. Minha mulher nunca foi muito chegada na dança e tinha medo d'água. Não é que agora ela já se arrisca num tango comigo e se arrisca a nadar na parte mais funda da piscina ?

Minha mulher sempre se deu bem com os cachorros, de quem sempre tive medo, enquanto que eu sempre me dei bem com os pássaros. Não é que agora em casa temos canários, periquitos e uma bela cadela da temida raça pitbull ?

Eu sempre gostei de escrever, hábito que a minha mulher, até hoje, detesta. Todavia, a primeira pessoa a ler e comentar os meus textos é sempre a minha mulher, que neles, via de regra, detecta erros, por mim antes não percebidos. Destarte, sucessivamente, temos nos completado um ao outro. Felizmente, ainda falta muito para que cheguemos "lá", se é que conseguiremos. Sinceramente, espero que não.

Por isso, acho que a curtição da felicidade entre parceiros que se dizem portadores das mesmas preferências é efêmera. Claro que toda regra tem a sua exceção. Esta, porém, se é boa para tais parceiros, acaba se tornando numa chatice para terceiros que com eles têm de conviver.

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