Milagre sim, milagre não

Milagre sim, milagre não

*Terezinha Pereira

Como havia comentado com os leitores deste espaço, a narrativa a respeito dos feitos de Padre Cícero é bem longa, pois desde a chegada dele a Juazeiro, onde viveu e exerceu poder durante 62 anos, até os dias de hoje, são quase cento e cinqüenta anos. Para lembrar: o primeiro milagre a ele atribuído aconteceu na primeira sexta-feira do dia 10 de março de 1889. Depois deste dia, o fenômeno repetiu-se outras 92 vezes, em um espaço de dois anos. No início, vexado, surpreso, sem saber o que pensar, Cícero Romão Batista tentou esconder o fato. Para evitar testemunhas, passou a dar a comunhão à beata em separado, fora de hora. Procurou guardar segredo por algum tempo. Mas........ por outras vozes, o povo soube dos fatos e ele não teve outro recurso senão convocar dois médicos e um farmacêutico para examinar o sangue que havia surgido durante a comunhão de Maria de Araújo, quando a hóstia, apenas colocada em sua boca, sofrera aquela assustadora transformação. Após o exame, médicos e farmacêutico assinaram um documento declarando que o fato não tinha explicação pela ciência. Essa declaração serviu para fortalecer a crença do povo que, então, já venerava as toalhas com que se limpava a boca de Maria de Araújo e que haviam ficado manchadas de sangue. Sangue de Jesus. Milagre! A imprensa publicou. O bispo Dom Joaquim, de Fortaleza, soube da notícia e convocou o padre Cícero para prestar esclarecimentos sobre aquele fato que o deixara muito irritado. Ao receber o padre, o bispo ficou impressionado com a exposição que ele fez do fato, que naquelas alturas já havia caído no domínio de Juazeiro e de toda a região do Cariri. Afinal, milagre é milagre........ Acontece que Dom Joaquim vinha recebendo pressões de alguns segmentos da Igreja e não teve outro remédio senão pedir uma investigação oficial dos fatos. Para isso nomeou uma “Comissão de Inquérito”, composta por dois padres que foram até lá para assistir as transformações. Eles observaram Maria de Araújo com cuidado, ouviram testemunhas e concluíram que o fato não era de feitio daqui deste mundo. O bispo não se deu por satisfeito e convocou mais dois padres, que imediatamente chamaram a mulher e deram-lhe a comunhão. Dessa vez, não aconteceu nada de extraordinário, nem sangue, nem milagre. Então........ não havia milagre!

O povo da região, a imprensa, Padre Cícero e mais uma multidão de pessoas que acreditavam no prodígio ficaram indignados. Confusão instalada, o inquérito teve de ser encaminhado à Igreja de Roma. Condenados, todos os padres que antes haviam dito acreditar naquela transformação do corpo em sangue vivo de Jesus, tiveram que dar o dito pelo não dito. Ao Padre Cícero foi dada maior pena: ele foi proibido de benzer objetos de piedade (ou qualquer outro), abençoar as pessoas, receber romeiros e visitas, falar nos milagres, pregar, confessar e administrar sacramentos, batizar crianças privadamente e ser padrinho de alguma delas, dar a comunhão e fazer confissões, receber presentes e ainda de celebrar missas. Em 1910, o bispo de Olinda, Pernambuco, chegou a recomendar que não se batizassem crianças com o nome de Cícero. A história diz que, durante anos e anos, ele tentou revogar seu castigo, tendo conseguido apenas por algum tempo.

Homem do povo que era, resolveu entrar na vida política. Em 1911 Juazeiro deixou de pertencer a Crato e Padre Cícero foi nomeado primeiro prefeito da nova cidade. Sua casa, além dos romeiros que nunca o deixaram, passou a receber políticos e autoridades da região. Escrevia e recebia muitas cartas e bilhetes e guardava cópias de suas cartas e as cartas recebidas. Dizem que não deixava ninguém sem resposta. Em sua vida política, também foi vice-presidente do Ceará, cargo que corresponde nos dias de hoje, ao de vice-governador. Algum tempo depois foi eleito para o senado, mas não assumiu o cargo, devido a sua idade avançada.

Lembram de que falei de Lampião, o rei do Cangaço? Sobre o relacionamento de Padre Cícero com Lampião há histórias e histórias que serão comentadas em outro artigo.

Terezinha Pereira
Enviado por Terezinha Pereira em 07/06/2005
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