O Culpado

Qual a mais triste condição humana? Nós, humanos, não temos culpa de ambicionar o que o próximo tem. Deus desde o começo nos ensinou a evitar a ambição, mas olhando ao redor hoje, nosso mundo não aprendeu as lições de Moisés.

Mais do que a mulher, o homem do próximo, invejamos também os objetos do próximo. Não interessa como eles o conseguiram, se tiveram de trabalhar duro ou apenas herdar uma fortuna de um parente rico distante. Não há quem se livre desses pensamentos imorais que vêm à tona de vez em quando, seja quando nos deparamos com uma loja com um atendente cego ou uma tendinha no fim da feira.

A sociedade constrói os seus problemas, e os alimenta. Estamos acostumados a viver atrás de grades para nos protegermos da violência, dos assaltos, dos ladrões. E como se não fosse o bastante gastar tanto em segurança, blindando carros, pagando seguranças particulares ou erguendo muros de ferro com cercas elétricas e câmeras de segurança, somos surpreendidos a cada dia, como a escola particular que teve dois episódios de roubo, o primeiro de uma câmera digital, o segundo de um aparelhinho de ouvir música, tal de mp3. Durante os acontecimentos, apenas colegas que estudaram juntos desde o jardim de infância estavam presentes. O que dizer diante de tal fato ao acusar aquele a quem sempre se considerou amigo? Ninguém se acusou, o culpado até hoje não foi descoberto e a escola arcou com certas despesas.

Onde menos esperamos, por quem menos esperamos, estamos sendo ameaçados. A escola dos filhos já foi mais uma vítima. No trabalho também sofremos com os esses problemas, quando alguém ultrapassa seus limites e não reconhece... a inadimplência. Trabalha-se tanto em um caso, em um tratamento, em uma manufatura, e o sacana não está nem aí se entrar para o SPC. Não paga e pronto. Temos também os telechatos que ligam a toda hora para nos vender alguma coisa. Agora com a evolução da tecnologia, não há como ficar de fora: vem a tal da banda larga. E é hora dos telechatos entrarem em ação: ligam três vezes ao dia para venderem o tal de modem, que vem com desconto no tal de provedor e... Depois de uma semana tendo atendido a vinte e uma ligações, você acaba cedendo e achando que é realmente vantagem adquirir o tal produto. Depois de cinco dias úteis, está recebendo toda a aparelhagem, e depois da facada do técnico para a instalação do material, você percebe que o modem veio com defeito. Como o zero oitocentos não resolvia esse problema, era usar-se dos interurbanos para trocar o tal de modem. Nisso passaram-se três meses pagando serviço sem ser utilizado. Pronto, os telechatos haviam dado seu golpe, e você, já estressado com a reviravolta, prefere pôr tudo no lixo a ter que esperar outra voz metálica fazer a transferência da ligação de setor para setor.

Cansados de um dia turbulento, atravessamos a muralha de proteção e adentramos em casa. Relaxamos um tanto sorvendo um capuccino, quando ligamos a televisão. O noticiário inicia com as principais informações do dia. Falam de um tal de mensalão. Como se já não bastasse ser roubado dentro da própria escola, do próprio escritório, através da voz metálica, temos que aturar deputados que já ganham mais que muita gente roubar milhões para...para manter em paraísos fiscais. Manter alianças entre partidos? Não se agüentam ver tanto dinheiro rolando, não tem discernimento para mandar cada trocado para o lugar certo: merenda da creche, transporte coletivo, segurança urbana. Como temos motivação de pagar impostos para recebermos nada em troca além de visitas de pessoas revoltadas com a situação de vida em que se encontram por não terem emprego? Criam seu emprego: ladrão. E pagamos para sermos roubados. Financiamos a vergonha encontrada no Senado, instigando com tanto dinheiro as mãozinhas dos deputados que coçam ao tomar conhecimento do poder que tem em mãos.

A mente se aprisiona no medo durante toda a semana. É preciso espairar as idéias, sair com os amigos. É marcado o encontro na boate da cidade, aquela considerada bem freqüentada, segura, com bons ambientes. O traje é escolhido a dedo, e a bolsa vai junto, porém tem de ser a pequena, sem maiores aberturas, de transpassar, para colar ao corpo. O celular tem de acompanhar, afinal, carona tem de ser garantida e se for preciso, telefones públicos poderão estar quebrados. A festa transcorre animada, as bebidas aquecem o ambiente, quando, por curiosidade e um tanto de hábito, abre a bolsa para reparar nas horas. Dá uma revirada nas maquiagens em busca do aparelhinho brilhante que fala, tira foto e... mostra as horas. Cadê? Ah, nada de surpresa. Além de não encontrar seu dez pila jogado lá dentro, não acha seu celular. Ah, só o que faltava. Devia ser por volta das duas da manhã. E você ainda achava que aquele loirinho te olhando na danceteria estava curtindo seu gingado. Filho da mãe. Hoje em dia não se confiar em mais ninguém, nem num suposto bom partido. E bem gatuno também: há desses que só saem pras baladas procurando a próxima vítima. E acharam. Eu. De novo.

O domingo amanheceu mais preguiçoso. O ânimo ficou com o prejuízo do seu celular. E na segunda, ótimo dia para recomeçar com as energias recarregadas. Meio-dia, almoçando, o telefone toca. A secretária avisa que é do banco, e logo você é cobrado pelo empréstimo feito alguns meses atrás. Os juros estão comendo seu salário...

Cuidado você também. Somos sempre as próximas vítimas. Seja em casa, na escola, no trabalho, ao telefone. Há sempre alguém tentando te sacanear. Alguém que segue seus instintos mais íntimos em conseguir tudo do modo mais fácil. Sim, e bem fácil mesmo, porque para ter o celular de volta, só comprando um novo, porque aquele que eu considerava meu já está de chip novo bem belo passeando por aí. E fazendo sucesso. Se bem que duvido que seja mais popular que o meu. Duvido. Tentam roubar tudo o que possuímos, mas nem tudo conseguem. Podem ambicionar meus bens, mas o que me faz ser um bem a alguém não há quem tire. Ainda não inventaram um curso para ensinarem a ser bem-sucedido. Não como bom samaritano. Já como gatuno...

Bruna Sommer Farias
Enviado por Bruna Sommer Farias em 30/08/2006
Reeditado em 30/08/2006
Código do texto: T228834