CATADORES DE EMOÇÕES

Tem algumas situações tão corriqueiras em nossas vidas, que passamos por elas, olhamos sem ver pelo vidro do carro, sem sequer notar certas peculiaridades. As cenas parecem as mesmas porque generalizamos tudo a nossa volta, mas individualizamos nossa existência como pudéssemos criar um cordão de isolamento. Essas cercas de alta-tensão nos impedem de ver fora o que não temos dentro.

Em um desses dias comuns, pessoas de todos os tipos passam por nós: motoboys, crianças a caminho da escola, nos ônibus, nos carros importados ou parados com seus carros quebrados. Quando um deles se torna um obstáculo ou motivo de atraso, conseguem então serem notados. Gente bem vestida, outras nem tanto, esportivas, em trajes formais, carregando pastas, mochilas ou puxando carrinhos carregados de papel, latas, coisas que consideramos lixo.

Enfim, catadores de papel pela rua são uma visão muito comum, se não fosse por uma diferença... Um casal, com aparência já de idosos, ou melhor, “terceira idade” para sermos “politicamente corretos”, como isso mudasse alguma coisa. Digamos que era um casal desgastado por uma vida dura, com corpo cansado, mas ainda dispostos a continuar na luta do dia a dia e o mais importante é o fato de estarem juntos. Um dos produtos escorregou das mãos da mulher, que pôs a mão na cintura como num esforço de fortalecer o corpo para abaixar-se e pegar o que havia caído. Foi então, que seu companheiro, sem pensar abaixou-se antes e pegou o objeto, depositando-o no carrinho. Levantou a mão e tocou-lhe o rosto com tal carinho, que qualquer comentário não seria capaz de fazer jus ao momento.

Cenas assim, às vezes não acontecem em nossas casas quando tudo fica difícil. Em comemorações de empresas, bodas, festas quinze anos, natal e fim de ano. Declarações sentimentais, expressões emocionadas, lindas palavras em discursos quase improvisados. Aí é fácil, tudo está bem. Será que ainda teríamos essa mesma postura, puxando um carrinho de papel? Acho que no final da história, eles estão “catando” o seu ganha-pão para se sustentarem com alguma dignidade, pois não se vive de amor, mas é possível viver com amor. Enquanto nós somos os catadores de emoções, saímos catando preocupações diárias como forma de disfarçar a falta de sentimentos. Sentimentos esquecidos e que um dia foram jurados para a eternidade. Achando indigno curvar-se para recuperá-los e voltar a puxar o carrinho que sustenta qualquer relação dia após dia.

GABI BORIN
Enviado por GABI BORIN em 30/05/2010
Reeditado em 06/09/2010
Código do texto: T2289982
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