EU APLAUDI DALVA DE OLIVEIRA

Osvaldo André de Mello*

O diretor do Teatro Marília, Júlio Varela, destinava uma cota de convites ao Teatro Universitário para os espetáculos que visitavam Belo Horizonte. Também se acudia com a diretora Haydée Bittencourt que liberava toda a escola, para que constituísse platéia e os espetáculos se realizassem, quando grandes nomes tinham a casa vazia, na estréia. Assim foi que, aluno do Teatro Universitário, assisti à magnífica Glauce Rocha, em “Um Uísque para o Rei Saul”. E, entre outros, desfrutando da cota: “O Exercício”, com Rubens de Falco, espetáculo puxado fisicamente, que exauriu à morte, aos 38 anos, uma das maiores atrizes do teatro brasileiro, Glauce Rocha.

Isto foi em 1970. O T.U. fora convocado, a fim de formar platéia, para o show de Dalva de Oliveira. Chegávamos da Jovem Guarda ao império do rock. Saíamos dos bailes cerimoniosos dos anos 60, desembarcando nas trepidantes discotecas dos anos 70. A vida noturna de Belô “bombava”. Quem era Dalva de Oliveira? Um nome apenas, apesar de ter ouvido meu pai cantar expressivos sucessos do repertório dela, sem associar a música a intérprete algum.

Com Dinorah Carmo, voei ao Teatro Marília. Na platéia, pontificava eufórico o prestigiado crítico de cinema e diretor de teatro, Ronaldo Brandão. Eu lhe perguntei: “Quem é Dalva de Oliveira?” Respondeu, sem nenhuma surpresa, o tempo não era mais dos grandes cantores do rádio: “Ela foi Rainha do Rádio, é a Rainha da Voz. Simplesmente, a maior cantora brasileira de todos os tempos.”

Senti, então, o peso histórico daquele espetáculo. O terceiro sinal. Abrem-se as cortinas. Dalva de Oliveira está em cena, à esquerda do palco, sob um foco. Ronaldo Bandão a aplaudiu, de pé, gritando: “Dalva! Dalva! É a maior!” Eu o acompanhei. A recepção alegre tomou a platéia. Dalva de Oliveira cruzou os braços sobre o peito, agradecendo. Vestia um palazzo-pijama verde, de jersey amarfanhado, muito curto para palco. Tratava-se de uma produção pobre. Ela explorava um pouco as memórias da Rádio Nacional, do Cassino da Urca, e vinha uma sequência de músicas divinas. A eternidade invadia o teatro.

A cantora ostentava no rosto uma cicatriz. Em 1965, protagonizara uma tragédia de acidente automobilístico, em que três indivíduos morreram atropelados e ela ficara em estado grave. A carreira, interrompida. Os tempos mudaram. O espaço na mídia se fechava aos artistas “do passado” e acolhia as manifestações “do presente”.

No ano desse show, 1970, ela gravara o último sucesso, “Bandeira Branca”.

Aos 31 de agosto, de 72, a grande estrela morre vítima de hemorragia. Escreveu um drama pungente, na vida pessoal. Como cantora, foi a Rainha da Voz de um período rico da música brasileira, marcado pela obra de grandes compositores, instrumentistas, e por vozes magníficas, que hoje já não se escutam mais.

*Osvaldo André de Mello nasceu em Divinópolis, estudou Artes Cênicas no Teatro Universitário em Belo Horizonte e voltou para Divinópolis, onde se formou em Letras. Sua primeira publicação foi aos dezenove anos, com A Palavra Inicial (1969), e o poeta publicou ainda Revelação do Acontecimento, Cantos para Flauta e Pássaro, Meditação da Carne, e A Poesia Mineira no Século XX, entre outros. No teatro, dirigiu peças de grandes autores, como T. S. Eliot, Nelson Rodrigues e Emily Dickinson. É responsável pela montagem e direção do espetáculo APARECIDA NOGUEIRA IN CONCERT.

fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 01/06/2010
Reeditado em 01/06/2010
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