AMIGOS INESQUECÍVEIS

No final da década de 1950 conheci, no ginásio Padre Abath, novos amigos, entre eles os filhos de Antonio Teixeira Leite com quem desenvolvi uma grande amizade, especialmente por Ivete, que tinha a minha idade, apesar de todos serem pessoas especiais, como por exemplo: Ivone, Ivanilda e Ilton, meus colegas contemporâneos.

Atendendo a um pedido de Ivete, mamãe permitiu, em nome de uma antiga amizade por seu pai, Lulu e Junília, que eu fosse participar do bota fora de Iderval, seu irmão, que estava indo para São Paulo.

Aquela foi a primeira de uma série de vezes que eu estive na Piçarra. A acolhida calorosa do Sr. Antonio Piçarra, D. Ernestina e toda família e principalmente a conversa agradável do anfitrião me conquistou.

Voltei muitas vezes, em finais de semana e em período de férias, e tive a felicidade de ouvir da boca do padrinho Tonho (ele se tornou meu padrinho de fogueira) aventuras fantásticas vividas por ele no tempo de Lampião , sobre o massacre das Guaribas, as corridas das Cavalhadas e das experiências tidas como amigo particular do meu avô Chiquinho Basílio, de quem sua primeira esposa era familiar e vizinha, motivo pelo qual minha mãe havia convivido, de perto, com seus filhos Lulu e Junília, por quem nutria muita amizade.

No sítio Piçarra vivi momentos inesquecíveis junto daquela família que tanto carinho tinha por mim e eu por ela. D. Ernestina era sempre muito solícita e agradável. Padrinho Tonho, um poço de sabedoria, simpatia e bondade, e todos os filhos amigos inigualáveis.As andanças à cavalo até o engenho; as brincadeiras, ora chupando cana ora comendo goiabas no topo das goiabeiras; os banhos de açude; os passeios pela redondeza; as conversas a boca da noite no alpendre são algumas das atividades do nosso dia-a-dia, sem esquecer as longas conversações sobre o passado cultural daquele homem tão respeitado e amado por todos que o conheciam e que havia conquistado não só minha admiração e amizade mas o meu amor filial. Aquele homem tão vivido, tão experiente, tão sábio, tão lúcido apesar da idade, despertara em mim um sentimento todo especial e acredito que eu também passei a fazer parte das pessoas queridas por ele; bastava ver o carinho que me dedicava para sentir isso.

O tempo passou, crescemos: Ivete e eu; seguimos os nossos destinos, nos distanciamos fisicamente, mas a grande amizade continuou em nossos corações. Somos hoje avós, mas quando nos encontramos é como se o tempo não houvesse passado; voltamos a ser crianças, nos deliciamos com as lembranças da infância, da adolescência quando participávamos das tertúlias, das festinhas, da festa de Senhora Santana, no Jati, de tudo enfim que vivemos há quase meio século atrás. O tempo passou, mudamos fisicamente, amadurecemos, estamos envelhecendo, mas nos nossos corações continuamos crianças, jovens... A idade espiritual não corresponde à cronológica.

Eu, em particular, sou fisicamente uma mulher madura, beirando os sessenta e um anos de idade, porém espiritualmente sou uma criança cheia de vida, de sonhos, mesmo que eles se confundam com as lembranças, com a saudade dos tempos idos. Não importa, sou feliz, aceitando as minhas primeiras rugas, meus cabelos grisalhos, meu corpo não tão bonito como antes. Sinto-me bem, gosto de mim como sou.

Acredito que era justamente este sentimento que fazia de Antonio Piçarra aquele homem tão feliz. Ele sempre se aceitou como era. Nunca lamentou o que fora no passado, e jamais quis voltar na idade, no tempo. Soube viver a beleza de cada idade saboreando as delícias que ela lhe oferecia.Ele nos deixou numa idade bem avançada, porém com um espírito muito jovem, dinâmico e feliz.

Sou grata a Deus por ter permitido que eu conhecesse e gozasse da amizade de pessoas tão caras.