MEGA-SENA

Mega-Sena

O dia em que Santa Rita ganhou um multimilionário.

Ontem por volta da meia noite me liga um grande amigo e me pergunta então cara é você? Sou eu o que? Perguntei. Foi você que ganhou na mega-sena? Ele disse foi alguém da tua cidade que ganhou e ele vai dividir o premio com alguém de Brasília. Falei se tá me zoando? Não, é serio ele respondeu. Você jogou? Ele perguntou, sim, respondi, mas esqueci de conferir. O coração começou a bater mais forte, fui correndo procurar meu cartão que não estava em lugar nenhum. Procura daqui, procura dali, encontrei-o no console do carro. Neste decorrer a mente não parava de fazer as contas, setenta milhões de Reais a 1% que posso conseguir tranqüilo, são setecentos mil todo mês. Meu Deus o que vou fazer com tanta grana.

Conferi os números com o coração disparado, batendo a mil.

O dia tinha sido especial, pois havíamos recebido a visita de um amigo querido que trouxe seu pai para nos conhecer, um suíço- francês que vive já há algumas décadas entre Bolívia, Colômbia e Equador. Alguém muito especial, um terapeuta alternativo que se dedica a treinar outros terapeutas sobre o uso da hipnose no tratamento de viciados em álcool e outras drogas. Ele também é um pesquisador sobre regressão de vidas passadas e tudo que dai decorre.

Depois de levá-lo para visitar o Jequitibá de três mil anos de idade, um curto passeio regado à iluminadoras conversas, passamos em frente a casa lotérica e observamos uma fila enorme de sonhadores e então começamos a filosofar sobre este sentimento que temos em relação a possibilidade de ganhar uma grande fortuna e nos tornarmos independentes dos problema ordinários da vida. Concluímos que este desejo, que faz qualquer um sonhar com a possibilidade de ganhar a partir do momento que se preenche aquele cartão, embora bastante comum, não era um desejo tão saudável, pois tem certo efeito negativo sobre integridade do caráter. Impossível não sonhar, se jogarmos, mas não tem dúvida que alguns de nós sentem uma certa vergonhazinha quando nos flagramos tomados por este sentimento de ganhar uma grana fácil.

Em fim, o dia foi de abertura total dos xacras, pleno de energia e inspirador.

E a meia noite aquele amigo com quem estive todo ano compartilhando mágoas pelo longo período em que estivemos desempregados, me liga perguntando se era eu o felizardo.

Pensei que poderia ter chegado a minha vez.

Decepção pura, acertei dois números e passei raspando em mais dois.

A segunda onda de sentimento, ao contrario do tsunami inicial, veio de leve, pé ante pé, a passos de pomba . Um pequeno sentimentozinho de inveja ao imaginar alguém que poderia ser um vizinho, um amigo, ou outro conhecido qualquer o homem mais rico da cidade

Na manhã seguinte na padaria, no supermercado, nas ruas e nas igrejas todo mundo olhava para todo mundo, trazendo nos olhos aquela pergunta que não queria calar. A final poderia ser qualquer um o ganhador dos setenta milhões de Reais e certa cerimônia caia bem.

Nunca fui tão lembrado pelos meus amigos como neste final de ano. Muitos com os quais eu já não falava fazia séculos me ligaram querendo saber se tinha sido eu o ganhador da Mega-Sena, ou algum parente próximo. Achei que alguns respiraram meio que aliviados quando eu dizia que não tinha sido eu ou qualquer parente próximo meu.

No final do dia descobriram o ganhador. Um pobre lavrador, pai de dez filhos, todos vivos. Ele tinha apostado dois míseros reais. Bom destino é destino.

O sol começava a se declinar no horizonte entre o verde dos imensos canaviais e o céu ainda azulado.

Dona Valentina, mãe do meu amigo Lemão disse: Que Deus ilumine o coração deste homem para que ele possa utilizar com sabedoria tanto dinheiro e continuou a passar o café pelo coador de pano. O fogo ardia na carne da lenha e estalava soltando pequenas faíscas como fogos de artifício.

O aroma do café da dona Valentina encheu toda a casa e também os nossos vazios interiores.

Mas que deu uma invejinha, isso deu.