SUZY 2

Suzy engordando. Vocês estão dando restos de comida, só pode ser. Ficando bonitona, os olhos mais expressivos. Horas quieta, horas impaciente, Suzy, a ternura em pessoa. Em animal, melhor dizendo.

Notei uma certa umidade no rabinho da cadela, que havia sido cortado pela ex-dona. Pergunta pra todo lado, perguntas que receberam respostas vazias. A religiosa disfarçando. Eu desconfiando. Todas as vacinas, prevenções. Suzy ia mais ao salão do que eu. Banho, tosa, lacinho, mimo de sobra, pose no banco da frente do carro. Pai, dirija devagar!

Certo dia, por falta do carro, levei Suzy nos braços, dentro de um ônibus. Ficou com uma cara de princesa austríaca. Olhava os passageiros e me olhava repetidamente. Fiquei envergonhada de expor a nobreza de uma poodle a momentos tão constrangedores. O coletivo e os passageiros estavam sujos. Os passageiros não paravam de olhar. Suzy inquieta como convém a uma princesa nessas horas amargas proporcionadas pelo ingrato destino. Me deu vontade de descer, mas seria impossível. Fomos longe, à saída da cidade, taxistas não aceitavam transportar animais. O destino era o centro estadual encarregado das zoonoses. Descemos no último ponto, parecia uma fazenda. Havia casebres de todo tipo. A bichinha no braço, assustada com aquelas cenas desconhecidas. Aqui pra nós, que cachorrinha metida à besta!

Conversei com ela, perdi a paciência. Deixe de pose, a posuda aqui sou eu, viu? Quem é você, sua presunçosa? Não sabe com quem está falando? Quer que eu mostre? Eu sou gente, ouviu? Sou professora e você, o que é? Deixo você aí, neste matagal. Me vingava assim, humilhando, que miserável sou. Uma filhote de nazista.Tudo de mim ela aceitava. Eu não queria aquela passividade, aquela incondicionalidade.

Um homem de bermudas escovava os dentes feios. Uma mulher grávida carregava uma bacia de alumínio cheia de trapinhos. Uma jovem lavava pratos estragados e panelas tortas numa lavanderia. Outro homem deitado ao sol da manhã curtia a ressaca da pinguceira da madrugada anterior. Umas crianças brincavam e olhavam Suzy que ficava com olhos perguntadores. Nem olhei mais naqueles olhos. No centro de zoonoses fiquei sabendo que esta passagem ocorreu num terreno de invasão e habitado por marginais. Daqueles sobre os quais os locutores dizem: “de alta periculosidade”.

Retornando por aquela estrada deserta e já sabendo em que terreno pisava, Suzy agora era uma companhia, quase uma segurança. O que tinha de mimosa, suave e de metida, tinha de valente.

Uma carroça conduzida por um jovem de cerca de vinte e poucos de idade atrás de nós. Pronto, sei, seremos curradas. Tarado tem que gosta de animais também. Comecei a me preocupar, pois só havia este caminho e passaria outra vez pelo acampamento de marginais.

Não adiantava apressar ou retardar o passo. Não sou de sair de uma situação, seja qual for o resultado, sem alguma coisa tentar. Retardei o passo, esperei que a carroça chegasse mais ao meu alcance.

Prefiro apostar no carinho, não sou de gritar “pega o ladrão”. Não sou de desmaiar. Quando quero sou uma raposa. Bom dia, meu filho. Bom dia. Meu filho, estou meio perdida, pois é a primeira vez que passo por aqui. Você pode me ajudar? Como faço pra chegar ao ponto de ônibus? Ele puxou o chicote das costas e colocou sobre as pernas, esticou as rédeas do cavalo que puxava a carroça. Pensei por um triz de momento que se preparava contra mim. Imagine! Deu uma chicotada no cavalo, pois parecia um pouco turrão. Julguei mal o rapaz. Só tem esta estrada. A senhora suba sempre e logo que avistar a pista, vai ver lá o ponto de ônibus. Quer subir e ir na carroça?

Não, meu filho. Esta cachorrinha é uma enjoada e vai latir tanto e assustar o cavalo, obrigada. Era eu a mentirosa, a disfarçada e a desconfiada. Ainda sendo o rapaz tão gentil, nele não confiei. Sabe como ele retribuiu? Dando ordens ao cavalo para diminuir o trote.

Senti que ficara preocupado comigo e me seguiu até a pista, pois sabia em que terreno pisava. Nesse momento havia uma rainha e uma princesa: eu e a metidinha da Suzy, prenha até os olhos. Palavras do veterinário.

(Aguarde SUZY 3)