CENAS DE UMA HISTÓRIA DE AMOR

CENAS DE UMA HISTÓRIA DE AMOR

Maria Teoro Ângelo

Com os olhos fincados no chão, atitude que o trabalho exigia, ele varria as ruas da cidade. Pela humildade do ofício, pelo que a vida lhe negara ou dera em excesso, tornou-se tão tímido, tão arredio, que mais parecia um bicho acuado, um robô programado para varrer, varrer, varrer...

Morando sozinho com a mãe já velhinha, esse único filho compartilhava com ela uma casinha de tijolos, tosca e escura nos longes da cidade. Quem passasse pela rua podia ver, espiando por cima da cerca verde, algumas dálias, rosas brancas e um ou outro girassol.

Se dentro do coração daquele filho batia uma emoção, ninguém soubera até que ele apareceu apaixonado. A timidez foi sumindo e ele andava com a amada pela praça indo e vindo, vindo e indo por horas a fio como era costume naquele tempo.

O povo passou a vê-lo de maneira diferente. Era um ser humano capaz de amar e ser feliz. Sofrer não fazia parte de seus planos. E como as histórias de amor emocionam, todos torciam por um final feliz.

O tempo passava e a data do casamento foi marcada. A noiva, vinda não sei de onde, chegara à cidade na condição de serviçal doméstica vivendo na casa dos patrões que a mantinham mais por pose do que por facilidades financeiras.

Quem cruzasse o caminho dos noivos podia ver os gestos mansos e caprichados e o olhar lânguido cravado um no outro, maneiras tão universais de se expressar o amor. Mudou o coração, mudou o homem. Já não tinha aquele andar cabisbaixo. O amor lhe dera ânimo, força, alegria. Olhava o mundo e o via diferente. Era feliz, tão feliz quanto quem ama e é amado.

Sonharam com uma bela cerimônia de casamento. A noiva queria festa. Sem dinheiro, saiu pedindo aqui e ali um pouco de farinha, um frango, alguns ovos e o povo ajudando, a costureira fazendo o vestido, as moças enfeitando a igreja e a noiva de cá para lá carregando nos braços algum presente, um acessório que fariam parte da finalização do evento.

Tudo certo, tudo arrumado. Chegou o dia. A noiva foi para a igreja e o povo atrás. Convidados eram poucos; curiosos, muitos. Um mal estar atingiu todos os presentes. A noiva tinha chegado antes do noivo.

Enquanto isso, lá na casinha de tijolos, o filho já de terno e gravata, abaixou-se para pegar as meias. Quando levantou a cabeça, olhou para a inexpressiva e acomodada mãe e confessou a ela o seu mais terrível segredo.

E não houve casamento!