NO CONVENTO

NO CONVENTO

Faz tempo para não repetir o “Era uma vez..., conheci um austríaco chamado Hans, não sei se há outros nomes para austríaco, mas este era o Hans, miúdo de nove anos, mas com larga experiência de vadiagem.

Ao tempo eu teria sete anos e não entendia tanta maturidade na matéria, ficando atónito perante as diabruras ousadas do pequeno austríaco.

O Convento da aldeia, pequena comunidade de meia dúzia de freiras em largo casarão e extensa área cercada de altos muros, acolhia este refugiado de guerra, sem que eu soubesse a que se devia uma criança estrangeira a viver em convento, e sem vocação.

Eu e meu irmão eramos frequentes nas freiras, onde estas nos instruiam nas matérias de Deus E assim era eu nesse tempo, mais versado em religião do que sou hoje, sem me assaltarem dúvidas e objecções que só atrapalham o cómodo berço em que me embalei no baptismo e depois na doutrina e catequese.

Idade aberta, às crenças; uma era a de que o Menino Jesus, descia na alta madrugada a nossa chaminé, nesse tempo com agilidade e fraldas, e agora já com barbas brancas, casacão vermelho e botas forradas contra o frio, que esse menino, meu comtênporâneo, não tinha graças ao burro e à vaca, que exalavam calor, além do calor humano da Mãe Maria e do Pai José.

Sair do presépio de madrugada enquanto os meninos dormiam, colocar prendas no nosso sapatinho e voltar ao presépio de onde nunca parece ter saído era para nós um vulgar milagre, uma magia que só nos encantava sem nos intrigar. Crianças!

A ingenuidade do Hans não era a nossa, mas a idade sim por isso vibrava com as histórias de meu Pai, mantendo-se muito atento quieto e calado como qualquer menino perante o encanto de histórias que meu Pai imaginava na hora cheias mistério, de bruxas, fadas e heróis que o atemorizavam, encantavam e excitavam. Tornava-se uma dócil criança no seio da nossa famíla.

Senhorr Doctorr conte uma histórria. Era o apelo fatal do Hans após o jantar.

No entanto no convento exasperava as freiras. Bebia sistemáticamento o vinho de missa, comia as óstias e na hora da missa do padre Antero a galheta estava vazia e as óstias tinham desaparecido.

Um dia em queo padre Antero dormia a sua sesta no calor de Agosto; o Hans sorrateiro abriu a mesinha de cabeceira, retirou a pistola que o padre usava com o propósito de legítima defesa da fé e deste seu agente na terra, e premiu o gatilho disparando um tiro no tabique do quarto, que rasou o ventre em abençoada digestão do padre Antero, alvoraçando o convento, em risco de perder além do vinho fino das galhetas e das óstias, ainda o próprio padre e as suas missas.

Pirata, demónio, grande mafarrico, vais ser castigado pela mão de Deus.

Não sei que mão foi, mas creio que divina não.

Um outro dia de verão o meu pequeno herói lançou-se vestido ao grande lago que existia no quintal e desafiou as freiras a irem buscá-lo se eram capazes. Recusava sair e mobilizou todo o convento a pescá-lo nesse mar de àgua que o protegia. Foi preciso a Madre chamar o caseiro para esvasiar o lago e retirar o Tritão encharcado mas feliz com o exito retumbante da diabrura.

Era um refugiado com direito a uma tolerância especial e ela existia na Madre, que eu hoje penso se não seria uma ecuménica Senhora à frente do seu convento e á frente do seu tempo, o nosso de crianças, a quem ofereceu um campo de futebol com balizas e tudo à custa de um terreno que produzia cereais. Um sacrilégio para o antigo caseiro, caído no dilema da devoção á Madre do convento ou à Mãe natureza, que lhe mandava semear e colher.

O campo da bola vingou. Nem só de pão vive o homem e ainda menos as crianças e a Madre sabia.

O Hans teve menos tempo para diabruras, e nós acorriamos mais alegres ao convento, dispostos a trocar uma hora de bola por outra de catequese. Um bom negócio para nós e para a Madre.

Deixai vir a mim as criancinhas, palavra do Senhor, que foi de uma Senhora neste caso.

Creio que na Austria existirá um velho e pacato cidadão, que gostaria de rufugiar-se de novo nesse tempo perdido, do velho convento, achado por certo em suas memórias dos tempos fugidos ao cenário de guerra.

Também eu gostaria de voltar ao convento. Estudar catequese e jogar futebol ! Que reforma dourada. Faltam-me no entanto fè e pernas para o paraíso.

Só tentando nos novos templos da mente e do corpo, MANÀS e SPAS, que fazem o homem novo.

A Madre da Imaculada Conçeição queria levar-nos para o céu eu irei de bom grado na esperança de lá encontrar o Hans, meu irmão e outros companheiros, num celeste terreno lavrado

pelo Senhor, para jogarmos futebol .

Catequese aqui não é preciso.

Arbogue
Enviado por Arbogue em 08/06/2010
Código do texto: T2308263
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