O Gato

O gato mia solto. Sagrada liberdade do Gato.

Mia, implorando carinho. Carinho que devolverá apenas quando quiser, mas carinho que sente e que gosta. Carinho sem posse e sem negociação.

Livre, vive o gato, sua eterna sina de ser independente.

Macio, dengoso, independente como tal, e brincalhão como se jamais deixasse de ser criança. O gato pula, corre, salta, e porque é sábio, deita e dorme, sem nada esperar, na única certeza de que se acordar voltará a viver.

Olhos firmes, marcantes, caçador natural, esforça-se em nos aceitar, e nos aceita como forma de nos agradar fazendo-nos crer que possuímos o gato.

Leve, linhas esguias, sem historia de Garfield, camuflado visando disfarçar o seu contorno. Geralmente de barriga mais clara que o dorso, orelhas moveis, ele faz da vida, uma arte do viver.

Desligado quando pode, atento e focado quando a caça é o premio, ou quando sua sobrevivência é a única razão momentânea do seu viver.

De sua casa, seu território, nos empresta a cama para que durmamos, nos empresta as poltronas para que descansemos, nos empresta as almofadas para apoiarmos nossas pernas ou nossa pesada cabeça, nos empresta os carpetes, seu espreguiçador natural, para que possamos caminhar sempre que necessário. Ele é tão justo que nos permite, inclusive, o direito de dividirmos com ele a casa que por posse é sua, mesmo que por direito seja nossa. Nos aceita como intrusos em seu território, porém, jamais, se curva para nos agradar, afinal de contas, ele é o gato e nós somos tão somente, meros humanos.

O complexo amor de um gato não envolve a posse, e não incorpora a troca. O amor de um gato é fruto da liberdade de ser e do querer.

O gato mia, solto, arisco e relaxado, mantendo-se sempre limpo, trata logo de remover vestígios, em sua pelagem, de nossa presença, tão logo se afasta de nós. Lava-se em detalhe, removendo qualquer resquício de cheiro humano.

Fluindo como um bailarino, o gato, senhor de si e do mundo a sua volta, entrega-se a preguiça, sem não antes já ter cochilado, e antes ainda ter dormido, afinal de contas ninguém é de ferro, e dormir um pouco é necessário...

Um gato típico faz muitas coisas durante um dia: Ele dorme, acorda, volta a dormir, acorda, come alguma coisa e descansa um pouco. Desperta e faz suas necessidades fisiológicas e volta para uma nova soneca, posto que já fez muitas coisas. Quando o dono chega, ele meio que sonolento se levanta e da um frio olá, já é o bastante para mais um repouso. Se ele acordar várias vezes, várias vezes ele voltará a dormir, pois necessita estar desperto quando chegar o momento do defender seu território ou de disputar aquela gatinha do vizinho.

Mia mudo, quase sem vontade de miar. No cio, mia ousado, reverenciando a sua natureza de reprodutor.

Mia o gato, disputando sua parceira, frente a quaisquer outros gatos, mia o gato, pelo direito a uma cria sua. Cria que não cria. Deixa à gata, a responsabilidade da cria.

Mia, mia quando quer, nos olha quando quer, jamais nos obedece, se nos obedece, é por motivos maiores, tipo daqueles que dando um dedo, esperam a mão. Santa independência. Sábio comportamento.

Sua vida é seu mundo e seu mundo é viver. O antes e o depois não são gerenciáveis, então para que se desgastar com eles, o presente já basta, o presente é o tudo. Ele vive o presente, curte o presente, esquece o passado e ignora o futuro.

Enquanto mia, o gato decide quando parecer ser seu, quando parecer te obedecer, e quando ser ele próprio.

O gato é da vida, o gato é do mundo, você é do gato, e seu espaço é seu mundo.

Dormindo solto, barriga para cima, o gato confia em você, como um seu escravo de confiança.

Mia. Mia... Mia, enquanto não dorme, come ou brinca. Às vezes sobra tempo para miar e para fingir que você tem o controle.

O miado do gato também te controla, e te ordena... - Caramba, já te dou o direito de dividir minha casa, pelo menos sirva para alguma coisa... Me acaricie, encha meus potes de água fresca, me dê comida boa e nova, e não se esqueça de limpar minha areia sanitária. Afinal, porque eu aceitaria miar para você e dividir minha casa com você? Simplesmente para que me sirvas.

Quem tem gato conhece a força da independência. Quem tem gato identifica qual o motivo maior de educar nossos filhos.

Pensadores esforçam-se para definir a força de viver a eternidade do presente. Os gatos naturalmente conhecem esta virtude e sabem a força deste saber.

Gato. Mamífero como nós, felino por composição física, vertebrado e sexuado, o gato sabe ser ele. Não implora carinho, mas adora ser acariciado.

Uma casa com um gato, reflete a sabedoria do dono que acredita poder desfrutar deste animalzinho, dividindo muitas vezes com ele um afeto mútuo, mas jamais possuindo este gato.

Amar um gato é compreender a diferença entre amor posse, que é tudo menos amor, e amor doação.

Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 09/06/2010
Reeditado em 09/06/2010
Código do texto: T2309485
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