Os nossos objetivos dos tempos modernos

Nos dias de hoje muito se festeja o vencedor, o classificado em primeiro. Nos tempos modernos está na moda ser o vencedor, ser o primeiro, ser o máximo. Demonstrar capacidade, criatividade, desenvoltura, inteligência, empenho e desempenho, são exemplos a ser seguidos.

As novas tecnologias, a globalização, a alta velocidade dos processos, a competitividade, as mudanças constantes, estimulam a que busquemos ser o primeiro, ser o vencedor, prestigiando assim os diversos predicados: profissional, financeiro, criativo, audácia, disponibilidade, o poder da superação e persuasão.

As organizações buscam o profissional proativo, inteligente acima da média, multifuncional, disponível. Essa é a qualificação ideal para ser eleito e aceito. Na verdade quem o é, é disputado, é assediado pelas organizações. É um vitorioso.

Eu não mencionei a afetividade. Essa, coitada: está relegada a segundo ou terceiro planos. Não temos muito tempo para pensar nisso. Temos de vencer primeiro, temos de conquistar nosso pé de meia primeiro, depois pensamos nisso.

Eu não discordo, discordando. Explico: isso não pode virar obsessão. Não pode ser o objetivo principal do existir, do viver. Aquele último item, a afetividade, está pouco a pouco sendo deixada no cantinho do armário. E estamos sofrendo com isso. Estamos nos tornando pessoas individualistas, calculistas, frias, objetivas demais.

A profissão e o trabalho têm superados em muito as outras necessidades humanas. E isso tem acarretado preço muito alto. Caro demais para se pagar. Muitas pessoas simplesmente não conseguem conviver com isso. Penso que é um desvirtuar da verdadeira finalidade de nossa existência, que são: Viver e conviver. Eu sempre li, desde os primeiros anos de escola, que o ser humano é um animal social. Ou seja, foram feitos para viver em grupos sociais, se colaborando entre si, até mesmo para se defender dos predadores.

Estamos transformando essa convivência em uma arena de acirradas disputas, numa competição ferrenha e maldosa, que nos traz a nós mesmos, efeitos colaterais nefastos e muitas vezes irreversíveis.

Muitas pessoas estão construindo a carreira, se especializando, se organizando, construindo a sua independencia financeira, relegando a segundo plano a afetividade, o relacionamento, o conviver, num estridente “de amor ninguém vive”.

Em nome da profissão, milhares de mães já não amamentam seus filhos, deixando por conta dos berçários e creches a missão de alimentá-los vê-los crescer. A missão de vê-lo engatinhar a primeira vez, pronunciar as primeiras palavras, estão a cargo de profissionais. É uma granja humana. Os pais simplesmente os concebem e os parem e os entregam para adoção temporária mediante contrato de prestação de serviços.

A carreira e a profissão não podem esperar. Temos de construir nosso futuro. Mas que futuro? Financeiro? De nada adiantará, se não mantivermos fortes os laços familiares, a afetividade. Necessitamos disso para viver e sobreviver. É humano. É irreversível. Vive-se sem? Sim, mas cada vez mais desumanizados, cada vez mais isolados e frios. Repetindo, não viemos a esse mundo apenas para isso.

Vejo que o homem é o único animal que usa a inteligência a que são dotados em desfavor de si mesmos. É um paradoxo besta, numa cegueira idiota.

Fazendo analogia da vida cotidiana à disputas esportivas, vamos ver outras nuances dessas disputas frenéticas:

O segundo é um perdedor? Ele não fez tudo que podia, para estar ali no segundo? Vejo que cada ser tem o seu próprio lugar, o seu próprio limite. O segundo é o merecedor do segundo lugar. É o seu máximo. E ele fez bonito para estar ali. Do mesmo modo o terceiro, o quarto, o milésimo...

O último colocado é um perdedor? Pela sua classificação, por certo nem merece estar vivo? Nada disso. Ele deu tudo de si. Ele é um vitorioso.

Quem se lembra, a alguns anos atrás, numa maratona, uma atleta chegou em último lugar, cambaleando e quase desfalecendo. Foi um momento de emoção intensa! Ela demonstrou uma força de vontade descomunal. O objetivo dela era concluir. E o fez com honra, emocionando o mundo! Reforçando: ela fez o máximo que poderia ter feito. Venceu seus próprios limites. E o máximo, por si só diz o valor que tem.

O eliminado nas classificatórias é um perdedor? Não. Jamais! Tente entrar nas emoções dessa pessoa e perceberá o quanto ela esforçou. O quanto deu de si na tentativa de melhores colocações. Entremos no íntimo dessa pessoa e veremos alguns pseudo vencedores lhe superando, usando recursos nada éticos para chegar na frente. Esses sim, são vergonha para um time inteiro.

Os que perderam a vida prematuramente são perdedores? Não! São pessoas que tiveram suas oportunidades tolhidas por alguém sem escrúpulos, são vítimas da já falada corrida desenfreada rumo ao pódio. São vencedores até onde conseguiram chegar. E devem ser festejados por isso.

Os flagelados e famintos, são perdedores? Não, jamais! Apenas tiveram infinidades de adversidades a seu desfavor. Talvez não souberam se desvencilhar das garras da miséria, talvez lhes faltassem a criatividade para isso. Mas esses fatos não lhes desmerecem seus valores. Não lhes tira o brilho. E pasmem: em certos momentos serão muito mais felizes que os dito vencedores. Sorriem por menos. Se alegram por menos.

De certo, é que todos nós, sem exceção, vivemos nos vieses emocionais, afetivos, financeiros, profissionais, etc. E precisamos saber viver com eles e tirar o melhor proveito de cada situação, por desesperadora que possa parecer. Em um dia estamos nos sentindo derrotados, para no dia seguinte nos sentir verdadeiros heróis nacionais.

Para isso, precisamos saber dosar a nossa ambição, os nossos valores, os nossos objetivos, de forma a nenhum prejudicar outro. Cada um tem a sua função, a sua razão de existir. É necessário que haja equilibro. Somos um misto de corpo físico alimentado por energias emocionais e afetivas, que jamais podemos nos dar ao luxo de abdicar de nenhum desses ingredientes que nos compõem.

Temos sim a obrigação de fazer bonito profissionalmente. Galgar melhores posições e buscar retornos, mas sem nunca sufocar as outras necessidades imperiosas que temos. E isso não é condicional. Agimos assim ou pagamos nós mesmos um preço muitas vezes maior que a nossa capacidade de suportar.

É o que desejo a todos. Que saibam dosar as ambições, os objetivos, as emoções, a afetividade, o conviver. E acredito sinceramente que jamais se arrependerão disso.

Quem conseguir, por favor me dê umas dicas, quero aprender também.

Faria Costa
Enviado por Faria Costa em 11/06/2010
Reeditado em 14/09/2013
Código do texto: T2313450
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