"Orgia" =Baseada em fato real=Re-edição por preguiça dominical

De repente me dei conta de que estava sentado em um lugar absolutamente maravilhoso. Era à beira de um riacho, entre algumas pedras polidas, vendo a água deslizar mansamente à minha frente e alguns peixes graúdos que pareciam olhar-me sem apreensão alguma. Com o corpo assentado sobre uma grama rústica, sob uma camada macia de terra, sentia-me tão bem quanto em um confortável sofá instalado em meio à natureza. Perdi a noção do tempo e fiquei ali pensando em nada, sentindo apenas uma paz absoluta e totalmente esquecido de meus problemas, compromissos, chateações, dívidas, vendas e recebimentos a fazer.

A noite começou a cair um tanto quanto depressa, mas não senti a menor vontade de ir embora. Levantei-me, fui até meu carro, dei um passeio até a cidadezinha e voltei abastecido para um lanche reforçado, café fresco na garrafa térmica, cigarros, e até pão e leite para a manhã seguinte. Estava decidido a dormir no carro, o mais próximo possível do local que me encantara como nunca antes havia me acontecido.

Sem a mínima preocupação com a segurança, na firme crença da vida sossegada de interior, ainda mais o de Minas, abri a porta traseira da “Caravan”, deitei o banco traseiro, estiquei meu colchonete reforçado, joguei ali meu travesseiro e logo estava deitado e olhando para o maravilhoso céu imensamente estrelado de meu estado natal.

A barulheira noturna dos sapos, pássaros e insetos eram um fundo musical digno de apreciação. Comecei a dormir embalado por ele.

Quando começava a sonhar ouvi ao longe um som de violão e risadas inconfundívelmente femininas. Levantei-me curioso e apressado. Queria ver quem estava tocando violão àquela hora no meio do mato.

Tocar violão é apenas maneira de dizer. A pessoa dedilhava o instrumento, tirando dele sons horríveis e desconexos, e tentava cantar, mas emitia apenas sons parecidos com o de um burro gripado. Em apenas alguns segundos podia-se identificar, bem de longe, o Mudinho com seu inseparável instrumento.

Magro, alto, feio feito a necessidade premente, o Mudinho era metido a cantor e violonista. Parava em frente a um grupo de turistas, produzia uma barulheira infernal com a voz e com o violão, e depois estendia a mão para receber os trocados dados entre risadas. Agradecia com muitos salamalaques e curvaturas de espinha e ia tocar em outra freguesia.

Que o Mudinho viesse “treinar” no meio do mato não era de se estranhar. Era de se estranhar a risadaria feminina que fazia coro com o som do violão. Fiquei alerta e esperei a aproximação do grupo.

Alguns minutos depois o silêncio. Percebi que haviam parado a meio do caminho até meu carro e resolvi procurar por eles.

Não foi difícil encontrá-los. Estavam no meio do mato, em uma clareira muito bem iluminada pela lua cheia, e despiam-se todos. O Mudinho, pelado e excitado, esperava que as moças tirassem as roupas, mas apressava-as com gestos frenéticos.

Fiquei escondido atrás de uma árvore, mas não muito preocupado que alguém me visse, e presenciei uma orgia incrível. Cinco moças nuas revezavam-se na utilização do instrumento sexual do deficiente, que ria e se agitava como um peixe recém tirado da água e parecia querer pegar todas ao mesmo tempo. Elas riam e o chamavam o tempo todo pedindo e recebendo mais. Se o sujeitinho era uma máquina de transar ou estava descontando o tempo perdido eu não sei, mas jamais havia imaginado ver um homem dar tantas vezes conta de tantas mulheres ao mesmo tempo.

Cheguei a pensar em oferecer ajuda a ele, mas, além do risco de levar umas violonadas pelas fuças, podia também espantar as moças e acabar com a alegria do desafortunado rapaz.

As cinco pareceram-me meio loucas, tanto pela risadaria quanto pela ansiedade com que queriam ser possuídas, e o Mudinho parecia completamente transtornado, parecendo querer pegar todas ao mesmo tempo. A cada vez que terminava com uma, dava uma berro e pulava para a próxima, que já o esperava de pernas abertas deitada no mato.

Tive que rir. Quanta gente não daria uma fortuna para uma farra daquelas...Cinco mulheres pedindo mais e se dando cada vez mais...Não era farra para qualquer um e o pedinte estava curtindo de graça.

Aos poucos o ânimo do pessoal foi acabando, as moças começaram a se vestir, o Mudinho jogou o violão nas costas e todos tomaram o rumo da cidade. E eu o do meu carro.

Apesar de excitado pelo que presenciara, dormi logo depois de deitar.

Acordei tarde e com fome, aquela fome um tanto quanto avassaladora da juventude, e resolvi almoçar o quanto antes no restaurante da cidadezinha.

Mal acabei de me sentar e o garçom veio quase correndo ao meu encontro. Conhecendo-o de outras ocasiões, vi logo que não era pressa de atender-me. Devia ser fofoca das bravas.

- Você conhece o Mudinho?

- Conheço. É o do violão, não é?

- É. O Mudinho Cantor. Ele tá preso, amigo.

- Preso porquê?

- Tentou catar umas hyppies que apareceram na cidade, bateu nelas com o violão e o delegado enquadrou ele. Vai responder por uma porrada de coisas, até por tentativa de homicídio, tão dizendo aí.

- E onde ele está agora?

- Na cadeia; uai! Queria que estivesse na igreja?

- Quero dizer, onde fica a cadeia?

- Sobe essa rua e lá no fim, em frente à igreja, tem a cadeia.

- E o delegado? Onde encontro o delegado?

- Na cadeia; uai! Queria que estivesse na igreja?

- Vai te à merda, uai! Delegado costuma ficar é na delegacia, não na cadeia.

- Isso é na sua terra. Aqui é tudo a mesma coisa.

No curto caminho até a cadeia fui pensando na situação do Mudinho. O coitado era mudo, retardado, epiléptico e agora estava sujeito a se tornar um presidiário por causa de cinco vagabundinhas, de cinco vaquinhas drogadas que quiseram se divertir com ele. Se dependesse de mim o caso logo estaria resolvido.

Só uma duas horas mais tarde consegui falar com o delegado e relatei o que vira.

- E o senhor tem como provar que estava no local da orgia?

- Acho que sim. À margem do riacho acho que o senhor encontrará as marcas dos pneus de meu carro. Além disso fumei vários cigarros enquanto observava a orgia, e as guimbas devem estar por lá.

- Qual o seu interesse nesse caso?

- Que o pobre coitado não seja ainda mais ferrado na vida. O coitado já vive ao Deus dará, não tem a menor assistência por parte de ninguém, e agora está sujeito a pegar cadeia. Acho que é muito pra qualquer um.

- Moço, faz tempo que quero tirar esse sujeitinho de circulação. Ele vive enchendo o saco dos turistas, além de ser o único a pedir esmolas aqui. A oportunidade é boa demais pra ser perdida.

- Não acredito, seu delegado! O senhor quer aproveitar uma falsa acusação pra tirar o coitado de circulação, se é que entendi bem.

- Exatamente isso. Entendeu muito bem.

Fiquei em silêncio por algum tempo antes de manifestar-me novamente. Estávamos na época da ditadura e aquele delegado de interior poderia sumir comigo e com o Mudinho sem qualquer problema. Antes de qualquer atitude eu teria que me precaver.

Peguei meu carro, fui até a cidade vizinha, bem maior e mais moderna, consegui uma ligação para a capital em menos de meia hora e conversei com um de meus tios. Depois disso voltei a procurar o delegado.

- Doutor, voltei pra lhe pedir que solte o Mudinho.

- Só isso? Soltar o Mudinho e dar o caso por encerrado?

- Só isso. Apenas isso. Exatamente isso. O senhor solta o Mudinho, expulsa as vagabundas da cidade e dá o caso por encerrado. Acho que é o melhor para todos.

- E posso saber o que o leva a pensar assim?

- Pode. Eu tenho aqui nesse papel o nome e telefone de meu tio. Um nome que, assim como o senhor, o Brasil inteiro conhece. Eu liguei pra ele, expus o caso, disse que sou testemunha a favor do deficiente, e ele me disse que pedisse ao senhor que fizesse a gentileza de resolver da melhor forma possível. Em caso de dúvida, basta ligar para o número que ele me deu. Mas precisa ser logo, o mais rápido possível. Amanhã ele já estará novamente em Brasília e será mais difícil a ligação.

Ao ler o nome de meu tio o delegado embranqueceu visivelmente.

- Ele é seu tio mesmo?

- Em caso de dúvida...Ele é meu tio-avô.

O delegado pediu à telefonista da cidade que fizesse a ligação, esperou ansioso por ela, talvez mais pelo privilégio de falar diretamente com meu tio-avô, e ao conversar era todo mesuras, salamaleques, rapapés e todas as puxações de saco possíveis.

Alguns minutos depois o Mudinho aparecia à minha frente. Veio com os olhos arregalados, as roupas ainda mais rasgadas que de costume, e olhando espantado para todos os lados.

O delegado pediu-me que esperasse a chegada das moças para que eu testemunhasse a acareação.

Ouvi calado enquanto elas afirmavam que o pobre coitado as levara para o mato, armado de um facão imenso, e que lá as fizera manter relações sexuais com ele. Se elas fugissem, ele teria tempo de matar pelo menos uma, por isso todas elas ficaram e, apavoradas, submeteram-se ao “monstro”. O “monstro” que agora fixava-as com um olhar cheio de amor pra dar.

O delegado chamou o Mudinho e demonstrou querer “ouvi-lo”, mas seria impossível. Além de mudo, surdo e parecendo totalmente sem capacidade de comunicação, o infeliz apenas bracejava e gesticulava com um sorriso de orelha a orelha. Fiquei sem saber se era pela felicidade da farra na madrugada ou pela expectativa de uma nova farra. Talvez lhe passasse pela cabeça que estavam ali combinando uma nova orgia.

- Moças, esse rapaz aqui testemunhou tudo que vocês fizeram nesta madrugada. Viu toda a orgia, toda a sem-vergonhice de vocês, todo o descaramento, e está disposto a denunciá-las por abuso de pessoa incapaz e indefesa. Vocês querem levar o caso adiante ou parar por aqui? Se pararem por aqui, sumam-se em alguns minutos, antes que eu vá procurar drogas nas mochilas de vocês todas.

Elas sumiram porta afora, o Mudinho tentou seguí-las e foi contido, e eu fui para o meu carro.

Quando saí do hotel onde me hospedara ao chegar ,e com o qual acabara de acertar as contas, dei de cara com o Mudinho. Com gestos mais contidos ele me contava, de maneira clara e concisa, que comera as cinco, muito, muito, muito, e que elas quebraram o violão batendo umas nas outras porque estavam apaixonadas por ele. O delegado invejoso queria estragar tudo.

Dei-lhe a mão, balancei seu braço várias vezes dando-lhe os parabéns pelas comidas, e ele aproveitou para me pedir um trocado. Sabendo que naquele momento eu tinha apenas duas notas grandes no bolso, eu disse que não tinha trocados.

Ouvi claramente quando ele me chamou de filho da puta. Um dos poucos sons que conseguia pronunciar corretamente.

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 13/06/2010
Reeditado em 13/06/2010
Código do texto: T2317525
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