Obrigado, filho

Foram-se quase vinte anos e o Beto não mudou, nem a Zita. Mudaram, sim, mas às vezes nos negamos a nos ver na idade nos outros. O Beto com o mesmo sorriso expansivo e a Zita com sua forma tímida de agir me fizeram voltar a um tempo de reinício, com você recém-nascido. Mais ainda quando me falaram de foto sua que têm guardada.

No mesmo quarto, sua mãe, a mãe do Júnior e vocês dois. Coincidência: duas vizinhas de frente acabaram por compartilhar uma experiência única na vida: dar a luz. Sobrava amor e faltava experiência.

Em casa, você revelou a vocação que perdura hoje: comer bem. Como pode? Eram horas e você ainda estava com fome. Deus o crie. E criou, tanto que agora voltou a fazer a mesma coisa: comer, comer.

Um elo foi formado entre sua mãe e a mãe do Júnior e volta e meia vocês dois estavam lá. O Júnior adoeceu e foram dias de uma tristeza meio conformada, meio revoltada. Aí ele foi embora e aconteceu algo que você não se lembra e eu não lembrava: vocês visitavam a Zita e o Beto e sua presença levava um brilho de vida e diminuía a dor deles. Não era, e não havia a mínima intenção de que o fosse, uma tentativa de substituição, apenas cumplicidade na hora da dor; cumplicidade da presença, consolo da solidariedade de seus sorrisos – falando nisso, você sorria bem mais naquela época – e, mesmo, de seus raríssimos choros. E por isso guardam fotografia sua e, depois de tanto tempo (quase o tempo de sua vida), sua presença ainda ecoa, de certa forma, na casa deles.

Só como curiosidade: exatamente um ano depois do nascimento do Júnior, tiveram outro filho e, depois outro que lhes deu uma neta, mas isso pode esperar um pouco,no seu caso, certo?

Somos levados a não valorizar os gestos simples, repletos de silêncio e humildade; preferimos os holofotes do heroísmo, mesmo que artificial ou hipócrita. Por isso, obrigado, filho, pela lembrança feliz e amorosa de pessoas que precisaram de sua presença reconfortante quando você ainda não tinha consciência do bem que fazia, e puderam contar com a força de sua inocência e de sua fragilidade.