O SOFRIMENTO

Vive conosco uma cadela fila com rotewaller (não sei se a grafia está certa), ela tem a pelagem amarelada e é bem grande. Ainda é jovem, deve ter um ano, brincalhona e meio adoidada, é nossa guarda e companhia pros meus filhos. Ontem à noite ela machucou a ponta da cauda, um ferimento pequeno que sangrou a casa toda, impossível estancar porque ela se mexe muito e pela dor não deixou ninguém imobiliza-la para conter a hemorragia. Uma noite de domingo bem tumultuada, ela só está conosco há duas semanas e por isso não temos veterinário, foi meu marido mesmo que cuidou dela. Fiquei olhando pelo vidro da porta a maneira carinhosa que ele (todo sujo de sangue) conversava e acalentava a Dara. Enquanto eu tive enjôo, ele cuidou e deu apoio naquela hora de dor. Hoje pela manhã nos juntamos para limpar tudo, mancha de sangue é muito difícil de remover, não importa a superfície. Eu que já fui advogada criminalista vi muita coisa triste neste sentido: homicídios, acidentes, brigas de marido e mulher, muito sangue. Lembranças que eu deixei para trás e que agora voltam olhando para estas manchas que não vão sair. Começo a entender o sofrimento; quando está acontecendo carece de solidariedade, momentos de dor e perda, como doença e morte são aqueles que deveríamos estar mais presentes. Mas hoje penso sobre a manhã seguinte, o decorrer dos dias após o dia do acontecimento; sim eu sei que a vida continua, mas como aqui em casa as máculas permanecem independente da minha vontade. A cachorra está lá deitada com a sua dor, por mais que a manhã de segunda-feira venha com os seus compromissos ela está sofrendo. Penso nas visitas que não fiz, nos telefonemas que não dei, nas doenças incuráveis que eu esqueci e nas manchas que vamos acumulando vida afora. Sinto vontade de dar o abraço do dia seguinte, de lembrar: - olha amigo eu estou aqui. Aprendo a lição, termino de escrever, limpo as lágrimas e vou dar um pouco de carinho à Dara enquanto o veterinário não chega.

CrisLima
Enviado por CrisLima em 04/09/2006
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