Obrigado

Minha mãe gritou:

Morreu?!

Ele ficará triste quando souber disso.

Ouvi e instantaneamente todos os nomes de pessoas que poderiam morrer passaram pela minha cabeça, obrigado. Mas ainda sem vontade de levantar da cama, continuei evitando a triste notícia. Mesmo assim, tive que acordar, não podemos adiar o agora para sempre.

Levantei-me. Naturalmente, meus olhos encontraram o dia branco e só depois e aos poucos as imagens foram surgindo, como se boiassem em uma xícara de leite, leite branco, obrigado. Cambaleei até a sala, temendo o que diriam. Mudaram o canal da televisão, que já acorda ligada, até encontrarem um canal de notícias e sem qualquer pudor anunciaram.

Saramago morreu.

Parei, sem acreditar. “Em que país ele estava?, pensei.” Será que lá é permitido morrer?, obrigado.

A repórter confirmou. Ele morreu e hoje começa uma intermitência que talvez não cesse, obrigado. Não pude conhecê-lo, mas pude senti-lo. Pensei logo em economizar as páginas dos livros, porque não haverá mais, talvez, mais nenhuma, e vagarosamente construir um memorial, memórias de uma história, da construção de uma história, obrigado. Uma relação de páginas e olhos e só.

Entristeci, uma pequena tristeza, e meu amigo tentou me consolar:

Deuses não morrem, eles voltam para casa.

Para a ilha desconhecida, obrigado.

Fillipe Evangelista
Enviado por Fillipe Evangelista em 18/06/2010
Reeditado em 18/06/2010
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