PASSOS DECISIVOS

O ano de mil novecentos e cinqüenta e oito iniciou oferecendo à população de Brejo Santo, já de entrada, mais precisamente no dia seis de janeiro, “Dia de Reis”, um va- liosíssimo presente: “O Cine Alvorada”, lugar de diverti- mento e de crescimento cultural, sobretudo para os amantes da sétima arte.

Neste mesmo mês tivemos a notícia do reconhecimen-to oficial do Ginásio Pe. Abath que podia então, habilita-do, realizar os exames de admissão em segunda época, na da-ta determinada pela Seccional do Ministério de Educação e Saúde. Em março tiveram i nício as aulas da primeira série ginasial.

A esta altura do ano já estava praticamente defini-da a situação triste para os agricultores e, consequente- mente, para todo o povo. Todas as experiências haviam fa-lhado, inclusive a do dia de São José. Foi este um ano de seca, durante o qual muita gente perdeu totalmente seus bens, abrindo falência.

E os mais pobres? Quanto a estes, não há palavras que definam o seu sofrimento. Só o nordestino sofrido é ca-paz de nos transmitir, através da sua fisionomia melancóli-ca, sua fortaleza e sua fé, o drama vivido por ele e supe-rado com tanta garra.

Foi este também o ano do primeiro desfile dos alu-nos do Ginásio Pe. Abath por ocasião das festas cívicas dos dias sete de setembro e quinze de novembro. Os alunos da primeira série ginasial e do curso de admissão foram treinados pelo próprio professor Macêdo, ao som de um tam-bor e de um tarol,tocados por Aloísio Silva e Erivaldo San-tana (meu irmão).

Com muita pompa, nos seus uniformes de gala, os discentes supervisionados pelo corpo docente, participaram da missa em ação de graças e, em seguida, da marcha pelas ruas e avenidas da cidade recebendo inclusive muitos aplau-sos dos expectadores, sobretudo das autoridades que se fa-ziam presentes ao palanque, em praça pública.

Para compensar tanto sofrimento trazido pelaseca, tivemos a alegria da copa do mundo com a vitória do Brasil.

Pelé, Didi, Garrincha, Vavá faziam do Brasil um país res-peitado no mundo inteiro.

Brejo Santo vibrou com todo o país. Na passeata pelas ruas da cidade, entre tantos torcedores comovidos sobressaia-se, pelo menos para mim, que até hoje recordo, a voz embargada pela emoção do nosso saudoso Chico Lóssio. Durante aquela tarde, embalados pela alegria, pela eufo-ria e também pela bebida, o povo brejo-santense homenage-ava o Brasil e seus jogadores sensacionais.

À noite, a voz de Elza Soares soava gritante, no seu estilo especial, ao som da difusora, enquanto passeá- vamos eufóricos pela praça.

Na Soverteria Flórida a bagunça era grande.Cada um extravasava seus sentimentos ao seu modo: cantavam, grita-vam, aplaudiam tocavam e até choravam. Foi lindo! Inesque-cível!!!

Este foi também ano de eleições municipais onde figuravam como candidatos a prefeitos o Sr.José Amaro Neto pela UDN (União Democrática Nacional) e o Sr. Antônio Den-guinho de Santana (meu pai) pelo PSD ( Partido Social De-mocrático).A campanha política foi animadíssima. Os comí-cios do PSD terminavam sempre com festas dançantes, após

passeatas pelas ruas da cidade. Tais festas aconteciam no grande salão - “O Maracangalha”- que ficava no outro lado da rodagem, na vizinhança da Zenir Móveis, atualmente.

No estúdio publicitário, sob a responsabilidade de Didi Feijó, as propagandas políticas estavam no ar o dia inteiro. As letras das músicas estavam na boca de todos: crianças, jovens e adultos. No grande comício da vinda de Parsifal Barroso, candidato a governador do Estado,à Brejo Santo, antes dos oradores oficiais, discursamos, Maria Ber-nadete Silva e eu, acolhendo a comitiva.

Para garantir a paz da população, antes e durante a eleição e na apuração das urnas, a cidade esteve sob a proteção do exército. A chegada e a estada dos soldados do exército em Brejo Santo causou muita alegria às moças e revolta ou ciúmes aos namorados, que em alguns casos foram substituídos pelos novos galãs. Em suas fardas, empunhando metralhadoras ou armas menores, os soldadinhos, com seus rostinhos bonitos e seus corpos musculosos despertavam paixões como se fossem artistas de cinema, dos filmes que costumávamos assistir.

Eles foram causa de muitos castigos e suspensões escolares. Cada aluna que gaseava aula era denunciada, por algum dos meninos, ao professor Macêdo que se revoltava pela falta de respeito ao uniforme escolar. A sanção era aplicada rigorosamente pelo mestre que não poupava tempo e vocabulário na comunicação do fato ao pai da mesma.

Quantas colegas minhas devem ter no baú das recor-dações os nomes de: Hugo, Ariosto, Osório... do príncipe encantado que lhe despertou uma grande paixão e lhe deu forças para desafiar a família, a sociedade, namorando um pracinha que veio de fora e, fugindo da regra geral ou do ditado popular“casa tua filha com o filho do teu vizinho”.

É bem verdade que não houveram casamentos, que os relacionamentos não passaram de flertes para umas, namoros inocentes para outras.Com a ida deles tudo voltou ao nor-mal, embora alguns corações tenham sido despedaçados.

O povo elegeu a prefeito e vice os Srs. Antônio Denguinho de Santana e José Lucena Sobrinho (Seu Lucena) que estiveram como administradores da nossa cidade de 1959 a 1963.

Apesar de todos os acontecimentos, de tudo que veio tirar nosso povo, especialmente nossos jovens, da ro- tina, a nossa vidinha escolar continuava normalmente, so- bretudo para quem não estava apaixonada por soldado do exército. Eu, por exemplo, cumpria com minhas obrigações escolares e me contentava em participar dos comícios e festas sem permitir que nada viesse atrapalhar meus estu- dos.

“Quem sabe eu ainda não tivesse enjoado da boneca e o amor ainda não houvesse chegado ao meu coração”, como dizia Luis Gonzaga.