O QUARTO ELEMENTO

O QUARTO ELEMENTO

Maria Teoro Ângelo

Quando Xandinha saiu de casa para se casar, a família não concordou. Juvenal era um homem rude, agressivo, de humor instável, recém-iniciado no comércio. Aquela figura alta e loira decididamente não combinava com a noiva, que era gentil, miudinha, frágil, de voz mansa e vida cômoda numa família bem abastada. Mas amor é amor. Numa idade já meio passada para a época, tendo o casamento como um dever a ser cumprido, cansada de justificar perante os outros a sua solteirice, casou.

O marido autoritário e inflexível não dava a ela chance de ser o que era, de dizer o que sentia. Ela, consumindo-se no serviço pesado, quantas vezes usava as blusas de cambraia com rendas do tempo de solteira. Nunca podia fazer um vestido novo. O esposo sempre reclamando da falta de dinheiro, ela usou a vida toda as roupas que trouxera e que lhe caíam bem pelo corpinho magro que nunca deixou de ter.

Não se sabe como, mas o fato é que um dia Juvenal, que viajava muito, arrumou outra mulher. Xandinha só descobriu porque uma carta anônima abriu-lhe os olhos. Ela chorou todas as lágrimas que tinha, desesperou-se, quis fazer escândalo. O marido defendeu a amante e maltratou a esposa como se ela fosse uma criminosa. Em casa não se podia tocar no assunto que ele ameaçava deixá-la. Dizia que casamento sem filhos não valia, que ela devia agradecer-lhe pelo nome de casada.

Mulher separada era um peso muito grande para ela e então aceitou o fato, um fato tão real, tão documentado e, ironicamente, como se não existisse. Sem falar da traição, na ideia do marido era como não haver traição. Quando Xandinha se enchia de coragem e pedia explicações, ele a fazia calar e saía dizendo não mais voltar.

Mas voltava e perguntava da comida, da roupa lavada. Ela tentou reconquistá-lo e punha-se mais bonitinha, uma pintura no rosto, um olhar terno e ele nem notava. Alegava sempre um sono imenso, um cansaço sem conta, uma dor nas costas e reclamando do colchão, mudou-se para um quartinho dos fundos. Contrariando todas as leis do bom senso, da evolução dos costumes, Xandinha ficou firme no posto fictício de esposa. Quase não saía de casa. De vergonha, medo de que alguém ficasse sabendo e lhe fizesse alguma pergunta.

De tanto enfeitar-se para o marido, alguém a notou. Notou sua meiguice, sua doçura, aqueles cabelos pretos, seu porte elegante e discreto e aquela tristeza no olhar. Primeiro foi um telefonema, depois um encontro casual em público, mais alguns olhares enquanto ela fingia que varria a calçada, telefonemas e mais telefonemas. Em pouco tempo Xandinha, agora apaixonada pelo outro, estava tendo um caso.

Assim, com a entrada desse quarto elemento, fechou-se o quadrado amoroso. O marido dividido entre os dois mundos que criara, alegando trabalho, precisando sair mais cedo e voltar mais tarde, não voltando muitas vezes, necessidades de viagens mais longas, era tudo o que Xandinha queria. O marido nunca desconfiou e zombava dela achando que ela se enfeitava para seduzi-lo, que suspirava por ele e ela sentia o gosto da vingança, de ter podido enganá-lo duplamente e dar o troco com a mesma moeda.

Juvenal morreu de repente lá na casa da outra em situação constrangedora. Diziam que as vizinhas tiveram de vesti-lo antes de chamarem socorro oficial. Juvenal morreu no exercício da traição.

Hoje estão todos mortos, enterrados com os seus segredos, suas mágoas, seus fracassos. É só por isso que resolvi contar esta história.