Liberdade
 

Liberdade...
 
     Todos desejamos, todos almejamos, todos buscamo-la. Liberdade... Liberdade... Sim todos necessitamos dela, mas nunca em toda a sua essência.
 
     Creio que para a grande maioria de nós, a liberdade é um ideal pelo qual buscamos, e que nos ofendemos só de imaginar abrir mão dela, ou mesmo de alguma parcela dela.
 
     Infelizmente, nossa firme posição em defesa da liberdade, como um dos principais temores, deriva de um equívoco exacerbado de interpretação do que seja nossa vida, ou do que realmente significa dignificar a vida como um todo, e a humana em especial.
 
     Não somos e nunca fomos autônomos em nossa existência. Tenho a percepção que nossa existência é social em seu sentido mais amplo. Muito antes de sermos uma sociedade humana, onde a humanidade deveria ser o que nos identifica e o que nos difere dos demais animais, somos principalmente o grande resultado de uma complexa simbiose direta ou indireta com os outros seres vivos. Pertencemos a uma cadeia complexa de vida, onde cada nicho ecológico acabou sendo povoado por seres vivos adaptados a eles, e que no fundo se interagem continuamente, se não em toda a sua totalidade, pelo menos na grande maioria dos casos.
 
     Em nosso dia a dia, respiramos oxigênio liberado por plantas ou bactérias, obtemos sais minerais extraídos do meio por seres especializados nesta tarefa, nos alimentamos enfim de nutrientes metabolizados, elaborados e disponibilizados por uma infinidade de outros seres vivos. Desta forma, apenas para existirmos, dependemos de uma complexa rede de outros incontáveis seres vivos.
 
     Em nossa sociedade, dependemos uns dos outros para nos mantermos. Uma sociedade é um complexo mix de especializações humanas, mas o importante é jamais esquecermos que são todos eles, somos todos nós, SERES HUMANOS.
 
     Todos buscamos a liberdade, mas ela em excesso é um péssimo negócio. O excesso de liberdade pode nos levar ao niilismo ou a anarquia. Não desejo, neste texto discutir as possíveis vantagens ou desvantagens de cada uma destas definições, porém no geral repudio a ambos os conceitos. A anarquia pura e simples nos levaria ao desgoverno total e o niilismo nos levaria a negação dos simples atributos que nos tornam humanos. Há de haver outra alternativa, e ela existe, é a liberdade com responsabilidade, é mais ou menos como falavam nossas avós a respeito do direito, “a minha liberdade tem que terminar onde inicia o direito à liberdade do outro” assim, estes limites acabam se equilibrando em uma liberdade harmônica e responsável.
 
     Sendo livre em sua totalidade, liberto em relação a tudo e a todos, poderia livremente poluir e destruir nosso mundo, e assim matar nossa reserva biológica de vida. É essa a liberdade que queremos? É óbvio que não deveria ser. 
 
     Sendo livre, posso exterminar os doentes, os idosos, os que me incomodam, os diferentes... Sendo livre em minha total libertinagem, poderia agir como quisesse. Se for este o estado de liberdade que desejamos, não contem comigo. Se for bom ser livre, este não pode ser o paradigma para a liberdade.
 
     A liberdade pura, em seu extremo só interessa aos poderosos, que podem comprar educação, segurança, saúde, área verde, poder... Mas mesmo assim eles também estão destruindo o futuro de seus filhos e netos. Mas será que eles têm compreensão de algo que ainda está por vir, será que eles não são tão imediatistas que só pensam o presente? Aliás, como dizem alguns crentes, o futuro só a deus pertence, e esse deus deve protegê-los do pior... Afinal eles são poderosos.
 
     Acabei dando dois exemplos radicais eu sei, mas poderíamos ficar aqui discorrendo que ser livre em toda sua essência do sentido, em toda a sua amplitude, não se coaduna com viver a humanidade que nos é própria.
 
     Possuindo liberdade total, poderia ter escravos, poderia não gostando de alguém, matá-lo, poderia por prazer caçar irmãos, poderia envenenar toda uma população, estuprar, roubar, destruir, perseguir, acabar com a liberdade dos outros e etc... etc... etc...
 
     Isso me faz perceber que a liberdade necessita de limites, como na educação de um filho em que a liberdade total leva a filhos irresponsáveis e sem limites. A liberdade no dia a dia tem de ser limitada, por uma lei forte e firme, para o bem de todos.
 
     A própria ética é relativista, ela existe apenas em separado, em cada um de nós, isso quando ela existe. Ela deve ser o contraponto para frear nossos instintos animais, favorecendo a vida em sociedade. O problema é que a ética é individual, não podemos incutir ética nos outros, e tão pouco podemos garantir que o que seja ético para mim, também o seja para a sociedade.
 
     Assim onde a ética não seja o suficiente para direcionar a nossa vida, que o seja a força da lei.
 
     Eu devo ser livre sim, apenas para poder escolher entre opções legais, e que realmente dignifiquem a terra, a vida, e no final de tudo a humanidade.
 
     A nossa liberdade não deveria permitir que pervertamos a dignidade humana.
 
     Isso não significa que esteja pregando o fim da liberdade. A liberdade racionalmente ética e legalmente sustentada deve ser valorizada, defendida e aproveitada em sua essência e em sua plenitude.
 
     Até liberdades básicas como a de expressão, que devem ser defendidas é claro, necessitam de limites pelo bem social. Ouço já uma infinidade de leitores repugnando esta sentença, como que desejando retira-la do texto, mas me permitam terminar. Não estou propondo nada parecido com censura ou lei da mordaça, estou propondo punições firmes para os excessos de liberdade que acabem pondo em risco a vida social. Quero assim dizer que a liberdade de expressão não pode me permitir, ou permitir a quem quer que seja, em qualquer nível social, fazer apologia de estupro, da escravidão, da negação da dignidade humana, do terrorismo, fazer enfim apologia ou levar a ensinamentos em que a sociedade civil esteja, ou venha a ficar, sob a mercê da laia espúria, que deveria esta sim ser incinerada do planeta, em nome de uma sociedade humana.
 
     Fazer apologia do mau, deve ser legalmente proibido e passível de forte punição.
 
     Assim devemos trocar certa liberdade, que não sejam as básicas necessárias a uma vida condigna, equilibrada e com certa independência, por uma condição social justa, humana e estruturalmente equilibrada.
 
     O excesso de minha liberdade não pode por em risco nosso planeta, nossos irmãos, nossa sociedade. É óbvio que devo ter algum grau de liberdade para agir, viver, trabalhar e também para batalhar por uma mudança de caminho de nossa sociedade, na busca constante de uma democracia socialmente mais justa e humanamente mais digna.
 
     Devo poder expressar minha não aderência a condição ultrajante que parte de nossa classe dominante, política ou empresarial, em nome de uma globalização neoliberal acaba impingindo aos mais pobres e mais fracos.
 
     Devo poder educadamente expressar meu repúdio pela ganância de alguns.
 
     Devo poder exprimir minha vontade de ver e de ajudar o mundo no caminho de uma sociedade onde valha a pena viver e onde possamos todos ser felizes.
 
     O ser humano deve ser livre, enquanto navegando por um mundo em que a vida como um todo, e a humanidade em especial, seja o foco primeiro, o sentido básico e o destino final de nossa liberdade.
 
     Livre com responsabilidade sim, libertino dogmático jamais.
 
     Que a luz da razão possa nos guiar em nossa caminhada por este mundo.

   
Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 28/06/2010
Reeditado em 28/06/2010
Código do texto: T2345332
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