Crônicas de Escolas ( Newton e outras milongas )

Crônicas de Escolas 2 ( Newton e outras milongas )

A matemática não é fria, embora muitas vezes tratada com frieza. Por isso, torna-se o bicho-papão, uma espécie de Esfinge cujo enígma exige de Édipo uma força hercúlea, ou, quem sabe, coisa de oráculo mau-humorado. É que em camisa-de-força, a matemática fica mesmo ensandecida, possuída por demônios tenebrosos.

Lembro-me da pergunta de um aluno dirigida ao seu professor:

Mestre, por que preciso aprender o Binômio de Newton?

Pelo silêncio, percebi que aquela pergunta não estava no “script”. Não sei se o professor – esse artista da Ribalta – fez aquela cara que leva toda a turma a achar sem propósito a pergunta do colega. Um breve silêncio e o seu corte cruel:

Prá você poder passar no Vestibular, meu filho!

Embora seja lamentável, o situação ilustra o que é a sala de aula na maioria das escolas: um centro de treinamento para os exames vestibulares. Menos que isso. Um adestramento de habilidades para a resoluçaõ de problemas retirados de provas anteriores porque, na próxima, cairá outro igualzinho ou quase. E nesse “quase” cabem todos os abismos.

Nessa lógica, as escolas adotam “ Sistemas de Ensino” que solapam, num só golpe, toda e qualquer chance de um aprendizado rico e sólido. Assim, metade da programação do vestibular é vista na primeira série do Ensino Médio; a outra, na segunda e, de novo, tudo na terceira série, numa espécie de nova edição revista e ampliada dos livros didáticos que só mudam de capa e novos exercícios de novos vestibulares.

As escolas tornaram-se reféns de Bancas Examinadoras que têm um clima kafkiano: são insondáveis, encasteladas que estão. E aí, gírias à parte, todo mundo dança. Dança a escola porque acredita ser esse o seu papel; dançam os pais porque passam a confundir educação com colocação e ascensão na vida; os professores, porque, hipnotizados pela alquimia dos bruxos, vestem turbantes e com seus apetrechos adivinhatórios ousam desvendar as questõers que ainda não foram propostas. Mas, sobretudo, dançam os alunos porque perdem um tempo enorme nas escolas tendo que engolir uma massa de informações que não conseguem – e ninguém conseguiria – digerir. E, então, o inevitável. A sala de aula é engessada pela argamassa de uma disciplina que se tenta impor a todo custo, confundindo autoridade com truculência.

Mas ao toque do sinal, os níveis de adrenalina refrescam até a manhã seguinte quando tudo se repete. Em casa, talvez aquele menino pergunte ao seu pai porque precisa aprender o Binômio de Newton. Mas aí é o insondável. É provável que o pai sugira a seu filho que pergunte ao seu professor de matemática. Por certo que não o fará.

Aldo Guerra

Rio das Ostras, setembro de 2006

Aldo Guerra
Enviado por Aldo Guerra em 07/09/2006
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