...MÚSICAS QUE PREFERIMOS ESQUECER...

Ela me disse que é impossível guardar segredos, e eu penso que é possível esquecer algumas coisas. A vida era mais que a serenata que gritávamos em frente a janelas de desconhecidos poucos anos atrás. Eu sei que a solidão não se resolve dentro de portas e janelas fechadas, mas estes dispositivos de insegurança me foram bastante úteis quando quis afastar a vida de perto sem causar maiores males. Ela quis me mostrar músicas, mas o volume nunca foi alto o suficiente para que as melodias pudessem preencher meu universo. Não foi eu que me isolei dentro de um refrão naquele verão onde a chuva nunca caía. A vida ali, era representada num gole d'água que deixava a garganta livre da poeira que cegava apenas nossos olhos. E deixavamos o vento balançar nossos cabelos enquanto passos de dança se desenhavam nas calçadas sujas do centro da cidade. Minha individualidade se tornava mais valiosa em companhia das palavras tão generosas que ela colocava em minha boca. Quando brincávamos de representar nos intervalos das aulas havia um coral de mudos que ficava a nos observar, provavelmente nos achando loucos dentro da nossa pequena alegria. A banda passou, e nos deixou canções que jamais vamos deixar de assobiar quando a lembrança vier dentro de um carro parado no semáforo. O triste é que a música nunca está alta o bastante para que todos nós possamos escutar. O verde acende, apenas o carro se vai...