O SEXO DAS AVES

O SEXO DAS AVES

Maria Teoro Ângelo

Maria Matilde morava sozinha. Sem parentes, sem filhos, sem marido, preenchia a solidão com um grande amor devotado aos animais. Os beija-flores vinham beber na sua mão, pousavam nos ombros dela e se fartavam com o néctar das flores que ela cultivava só para eles.

Para Maria Matilde tais pássaros eram elas e se dirigia a eles com Beijinha, Florzinha, Queridinha e tantos outros diminutivos apropriados a tão delicadas criaturas.

Uma vizinha a presenteia com um papagaio e ele também virou ela. Era a Mulata, Morena, Senhorita. Conversava com ela usando uma série de vocativos, todos no feminino.

Tinha com as aves uma relação gentil e profunda. Tratava-os como gente. Quando a Mulata morreu, Matilde chorou debruçada sobre a mesa da cozinha.

Um menino lhe traz um pássaro-preto e este virou Senhor, Rapaz, Mocinho. Era ele e ponto final. O pássaro cantava e seu canto amansava a solitária vida que ela teimava em preencher à sua moda, do jeito que sabia, da maneira como podia traduzir a bondade em gestos tão especiais.

As aves que lhe cruzavam o caminho eram livres. Os beija-flores eram convidados ao banquete colorido de seu jardim, a Mulata vivia solta, andava pelo telhado, pelas árvores do quintal. O pássaro-preto também morava num poleiro e Maria Matilde enfatizava a sua masculinidade principalmente quando algum gato aparecia por lá.

O enquadramento sexual dessas aves ajudava na ilusão de que pudessem ser melhor companhia.

“ Senhor, já comeu o mamão?” “O Rapaz precisa ter cuidado com o gato!” Meu Cantor, meu Amigo e ia, com orgulho, nomeando a pássaro-preto sempre no masculino.

Um dia acontece a surpresa, o imprevisto, o insólito, o inusitado, o choque, a decepção. É que o pássaro-preto, após uma carreira de macho muito bem sucedida, tinha botado um ovo.