...A DESISTÊNCIA DA SONHADORA...

Ouvi dizer que ela desistiu, talvez o vento que trouxe tantas coisas não tenha deixado nada do que ela precisasse. Agora só resta uma enorme quantidade de vultos e sombras entrando pela porta aberta da casa, dívidas que se multiplicam sozinhas em meio a luz fraca que ilumina sua escrivaninha. Ela não sabe o que fazer com suas roupas vazias escondidas dentro do guarda roupa e a noite não dorme, diz que parece ter anzóis presos em suas pálpebras. Pequenas poças de água no chão pelo café de forte aroma que preenche sua cozinha. Eu pergunto se ela ainda abre a janela em dias que a chuva vem de frente para que seu rosto fique todo molhado, mas ela disse que já afastou esses fantasmas que a perseguiam no passado. Ela encontra alegria no tempero de uma comida que aprendeu a fazer da mesma forma que sua avó fazia. Ela procura brilho ao olhar em seu espelho. Ela quis beijar as nuvens naquela viagem longa, mas elas se dissolviam na ponta da língua e o que sobrava daquelas cores macias era um sabor adocicado de uma infância que parece nunca acabar. Ela sabe que vai chorar na próxima vez que for caminhar na chuva, pois acredita que a água consegue levar embora o que restou de todos os seus antigos sonhos. Ela diz que já aprendeu que a vida continua mesmo quando não há muitas cores e o brilho de um dia iluminado.