Uma Poltrona Extra

Junho de 1968. Governo militar no Brasil. Movimentos estudantis no Rio de Janeiro, sob repressão do exército. Saio do meu pequeno interior do sertão de Pernambuco e vou passar uma semana na capital da Guanabara, onde me submeteria a algumas provas para a obtenção do certificado de Radiotelegrafista de 1ª classe, função que já exercia há seis anos. Fico assustado com o movimento da cidade grande, principalmente com as manchetes dos jornais, advertindo aos pais para não deixarem seus filhos saírem às ruas.

Do hotel para a escola, temia ser confundido com um “estudante universitário”, a classe mais perseguida pela ditadura militar, em razão de sua luta pela democracia.

Sexta-feira, dia 21, fizemos a última prova. Pensamos em voltar para o nosso Nordeste, logo no dia seguinte. Queríamos sair daquele sufoco. Não tínhamos comprado passagem de volta. Ainda à noite, fomos à estação rodoviária, apelando para a sorte, pois no período junino os ônibus estão sempre muito lotados para o Nordeste. Nenhuma passagem encontramos que chegássemos a tempo de alcançar o São João em nossa terra natal. O rapaz da agência nos deu a sugestão: “Vocês podem aventurar ônibus vindo de São Paulo”. Àquela altura, um colega já havia desistido de retornar conosco, por ter um tio morando ali, que o hospedaria pelo tempo necessário, até que surgisse uma passagem. Ficamos em três pessoas. Aparece um ônibus com duas vagas. O motorista disse que se nós topássemos o rodízio de poltrona, um poderia sentar-se num tambor de óleo, forrado com um capacho, que amaciava a nossa região glútea. Topamos a parada, de modo que enquanto dois usavam as suas respectivas poltronas, um ficava ali no tambor, que nos serviu de “poltrona extra”, sem direito a encosto nem cochilo. Solidariamente, fazíamos o rodízio para que cada um pudesse dormir naquela longa viagem de 48 horas contínuas. E assim chegamos a tempo de brincar o São João com as respectivas famílias e namoradas que nos aguardavam ansiosamente. Por uma semana, fomos “cariocas” assustados pelo regime militar. E teríamos sido por mais tempo, se não fosse a “poltrona extra”.

Irineu Gomes
Enviado por Irineu Gomes em 16/07/2010
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