filhos é para o mundo.

Foi embora num dia ensolarado, num céu de nuvens quase nenhumas e de azul olho de menina triste. No céu de seu quintal choviam pingos de sabão. Pendiam vestidos floridos, calças sérias, cinzas, lenços, alvas roupas de baixo. Bacias, latas e latões se batiam, debatiam, escorriam água. De tudo escorria água. Menos dela. Menos deles. Dos olhos. Ela permanecia dura, rígida, seca como as batidas dos tecidos na pedra. Enquanto executava a tarefa da terça-feira, como se esta fosse uma de suas infindáveis terças-feiras, como infinitas outras que houveram e haveriam por todos os penosos dias de sua vida, fingia não vê-la. A outra examinou pela milésima vez a bagagem, bolsas, caixas e maletas, como se quisesse encontrar algo que já não estivesse mais ali, que não pertencia mais a ela. Ao final de tudo, bateu a mala no chão a fim de fazer barulho e fazer que a outra entendesse que era chegada a hora. Ela levantou os olhos, enxugou as mãos e se aproximou. Examinou também a bagagem, examinou a outra como se quisesse ler sua alma e embora suas roupas pingassem água, o abraço foi seco. Como se dali fossem cada uma para seu quarto. Como se aquilo fosse durar apenas um final de semana. Como se fossem aquilo que talvez fossem mesmo, por mais que o destino insistisse em negar: desconhecidas. O táxi estava do lado de fora, junto com o destino. Carregaram a bagagem. Ela entrou, sorriu e acenou, fingindo felicidade que disfarçava soluços. Não quis. Não olhou para trás. Viu apenas o caminho se estreitando, se estreitando, até colocá-la para fora desse mapa para entrar em outro: dos planos, dos sonhos, da liberdade, da maioridade. O Táxi parou e vomitou tudo que ela tinha. Olhou ao seu redor. Tinha muita gente e não tinha ninguém. Ela estava só e aproveitou para abrir bem as asas, deixar o ar entrar e secar a tristeza que a cercava ali tão única e solitária como uma estátua no meio de uma praça. Se a outra deixou pender seu mar, não se sabe. Ela apenas deixou escapar: "A gente cria os filhos é para o mundo."