Acontece no mundo dos sebos

Aproveitando o clima festivo desse Dia do Amigo, concluí que merecia um presente. Afinal, sou um bom amigo. Esforçado, pelo menos. Cheguei a todas essas conclusões já com o futuro presente em mãos, ao cair da tarde no sebo Ladeira, no centro de Porto Alegre. Tratava-se do livro Canalha!, do Fabrício Carpinejar.

O seminovo estava com um bom preço, bem abaixo do que pagaria nas livrarias, e há tempos queria ler algo do Carpinejar além de suas brevidades do Twitter. Já entrevistei o escritor mais de uma vez, e sou fã declarado. Juntando isso tudo ao fato de que também tenho feito algumas boas ações por aí, concluí que tudo isso justificaria o presente de Dia do Amigo. E comprei.

Já voltava para casa quando resolvi folhear o livro. Queria ver o real estado em que estava, se alguém já havia rabiscado alguma coisa (como sempre acontece, e eu mesmo cultivo esse hábito). Ao olhar a contracapa, vi aquilo que achei mais curioso: o livro estava com a etiqueta adesiva da livraria com a data em que havia sido comprado: 24 de dezembro de 2008.

Pois então alguém se desfez de um presente de Natal em troca de alguns trocados no sebo, e o presente veio parar em minhas mãos. De alguma forma, isso me perturbou. Já se passaram várias horas e ainda não tirei o tal livro da mochila, pois, não me sai da cabeça a impressão de estar violando um presente alheio. Quem se desfaz de um livro tendo recebido-o amorosamente na noite de Natal, talvez da mãe, da avó ou da namorada? E se aquele que deu o presente casualmente deparar com o livro à venda um dia?

Certa vez, um amigo mostrou-me um livro com uma dedicatória engraçada, assinada por vários amigos seus. Dizia assim: “se você está lendo esse livro agora, é porque o Fulano traiu a nossa confiança e vendeu nosso presente na primeira esquina”. Achei genial. E não à toa, meu amigo jamais cogitou repassar esse presente personalizado.

Outra vez, encontrei em um sebo de São Leopoldo uma biografia do Bob Marley. Novinha. Comprei-a por um terço do valor que pagaria em uma livraria (às vezes sou cruel). Pois não acontece que, cada vez que olho para a obra, imagino o dono original indo ao sebo vender seu livro do Bob Marley para comprar algumas gramas de maconha? Fico maravilhado! Afinal, não lhes parece nobre, vender a biografia do artista que mais cultuou essa droga, justamente para comprar um pouquinho de erva?

Quanto a mim, repassei um livro do beberrão Bukowski dia desses. Mas não comprei sequer uma cerveja.

Andrei Andrade
Enviado por Andrei Andrade em 21/07/2010
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