HERÓI ANÔNIMO

A experiência de vida é a coerência alcançada entre os princípios aprendidos e apreendidos nas vivências de cada existência (Simone Simon Paz).

Existem seres humanos que possuem algo mais. Com suas presenças brilhantes mantém acesa a esperança de uma vida plena. Dizem os entendidos, que esses indivíduos, com suas ações, impedem a destruição do planeta terra. Pessoas desse nível justificam a condição de liderança dos humanos entre as diversas espécies que habitam o nosso mundo. Pois, suas existências pressupõem o alto potencial e o real limite da condição humana, sendo a maioria delas conhecida e reverenciada pelo grande público.

Todavia, existem outras personalidades anônimas, cujas ações são decisivas nos destinos de milhões. Muita das vezes elas não são notadas. Porém, com um pouco de sensibilidade consegue-se identificar esses “super-homens.” Apesar de ser esperado encontrá-los com maior freqüência entre indivíduos de alta classe social, ou de nível intelectual elevado, isso nem sempre é verdadeiro. Autores como Camus, Dickens, Tolstoi, Charles Chaplin falam em suas obras desses pequenos deuses. Na verdade, eles humildemente perambulam entre o “povão”.

Eu, nos meus 57 anos de vida encontrei alguns indivíduos diferenciados e acredito que estejam dentro desse seleto grupo. Caro leitor, faço aqui um breve parêntese para dizer, que sou profissional da área de saúde na condição de cirurgião dentista. Voltando ao assunto, lembro-me tempos atrás, uma situação pitoresca ocorrida em meu consultório que evidentemente chamou- me à atenção e passo a vocês. Havia marcado comigo uma consulta, um senhor de 68 anos, tratava-se de um humilde servente de pedreiro, querendo substituir suas próteses dentárias.

Ao exame físico mostrou ser um indivíduo magro, estatura mediana, pele morena e olhos penetrantes. Os cabelos eram ralos e rosto marcado por rugas profundas. A saúde geral era aparentemente boa. O exame da boca mostrou uma grande reabsorção óssea dos rebordos alveolares. Dado a falta de rebordo, a confecção de uma nova prótese, nessas condições estaria contra-indicada. Informei o paciente sobre a situação e a impossibilidade de retenção de novas próteses.

Ele ouviu-me atentamente e disse ao final: “Doutor pode fazer as duas dentaduras sem problemas”. Eu contra argumentei: elas não vão funcionar. “O que é isso Doutor? “É claro que vai dar certo, na minha vida nada deu errado até hoje, pode fazê-las sobre a minha responsabilidade”. A firmeza com que ele proferiu essas palavras convenceu-me a iniciar sua reabilitação protética. Dentro de aproximadamente 30 dias, o trabalho estava concluído e as próteses foram assentadas na boca do paciente, sem necessidade de ajustes e com ótima estabilidade. No final, disse ele: “não falei que iria dar certo”. E repetiu novamente, “tudo na minha vida deu certo até hoje.”. Posteriormente, pagou pelo serviço prestado e foi-se embora, antes, agradeceu- me e desejou boa sorte.

Depois que saiu, fiquei pensando: o trabalho protético ter funcionado, seria um fato isolado de muita sorte, por assim dizer. Entretanto, ele era um indivíduo de parcas condições econômicas e deveria viver com dificuldades. Logo, sua vida não deveria ser um mar de rosas, nem sempre tudo deveria ter dado certo na sua vida, como afirmara.

O otimismo inusitado desse senhor, levou-me a colher mais informações sobre ele. Minha auxiliar o conhecia de longa data. Conforme seu relato: o “nosso herói” morava em um barraco, com quatro sobrinhos, em uma favela próxima ao bairro onde eu trabalhava. Os pais das crianças haviam morrido durante um deslizamento de terra. Ele era líder comunitário e respeitado por todos no lugar. Apesar do seu trabalho regular e idade avançada, encontrava tempo aos domingos para ajudar outros favelados a construir seus casebres e fazer outros trabalhos.

Adorava contar estórias, tocar violão e cuidar de crianças. Finalmente, gostaria de dizer que a simples presença desse indivíduo emanava uma superioridade indescritível, digna de um Ser Humano superior.

João da Cruz
Enviado por João da Cruz em 21/07/2010
Reeditado em 17/07/2012
Código do texto: T2390943
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