Casamentos, Pavimentos e Pulsos Cortados.

Uma vez, num desses rituais de casamento sobre uma ponte, em que o casal faz um corte nos pulsos e junta o sangue, o noivo, provavelmente um insano, ao invés de fazer um cortezinho de leve, só pra sangrar, acabou por decepar o braço da noiva e começou a chupar-lhe o sangue, que jorrava, ao som de seus berros...

O pulso inteiro cortado, decepado, ao que ele chupava-lhe como se fosse um pedaço de cana-de-açúcar.

Uma história qualquer, enquanto limpo o vidro dos óculos, pensando nas economias domésticas. Desde há muito praticando gastos exorbitantes, na maioria das vezes adquirindo coisas banais. É preciso dar um time, ou abandonar de vez tais hábitos prejudiciais. Na vida temos de ter parcimônia, lembrando antigos provérbios e conselhos sábios.

Principalmente quando dominado por álcoois se vê dispendioso, pródigo e imbecilizado.

Os óculos ainda continuam sujos, e parecem sujos há muito tempo, uma sujeira que não sai facilmente.

Confesso que estou vivendo. Talvez não como Neruda, mas estou de meu modo vivendo. Uma vida que não se pode dizer boa ou ruim, uma vida comum, meio sem dinheiro, ora triste, ora feliz, porém, quem não é assim?

Uso um texto de crônica pretensiosamente cômica para explicar pormenores de meu dia-a-dia. O céu cinza causa a impressão de tristeza no ar. As pessoas se enervam com mais facilidade, trabalham com mais ansiedade. Os televisores são máquinas de transmitir tragédias. Máquinas de lavar tiram as máculas superficiais. Cães ladram ao fundo..., um barulho de motor tentando dar partida... No mais, o silêncio impera.

Tento mais uma vez retirar a mancha da lente esquerda de meu óculos. Mais uma vez em vão. Passo um antivírus no computador, procuro abandonar a dor, mas na vida isso é impossível. Sei disso e de algo mais, que não convém confessar.

Algumas pessoas me circundam nesta existência. Sei, ou acredito saber que são pessoas de boa índole. Assim quero pensar. Um grupo reduzido de amigos e parentes. Nada que esteja fora disso. Não há níveis intermediários.

Andarilho.

Uma vez morei fora, outra morei dentro. Vi coisas do arco-da-velha, vi coisas feito um rebento.

Sofri, chorei, amei, desisti...

Vivi ao máximo, ao relento, correndo o dia e bebendo a noite.

Perambulei por lugares lúgubres, que mal sei onde ficam,

Vi rostos nervosos, mentes plácidas, que talvez não existam mais, ou sequer existiram.

Construções, fumaças, latarias e gritarias..., velhos moribundos com carroças e cães, mulheres semi-nuas recostadas em catedrais e murais de propaganda, vi livros e mais livros, de sebos e de livrarias de vidros.

Senti o odor do fedor e da flor, o som do horror e da dor, do prazer e do amor...

Por aqui se ouvem pássaros ao amanhecer, quando o tempo não está tempestuoso. Acolá ouvira máquinas a surrar os ouvidos, gritos, fumaças variadas e carburadores entupidos.

A vida demora a entrar nos eixos, e quando entra já estamos mais pra lá do que pra cá, encarquilhados, aguardando o desfecho. Para tanto, vivemo-la já! O “agora” é a solução para diversos males.

Ouço clientes ansiosos por um natal melhor. Minha cadeira está torta, quando não minha vida. Mas não me deixo levar por essa tal depressão, pois no caminho a melhor solução é pôr as pernas em ação.

Um último cigarro a adentrar meus pulmões! Fumo para aliviar o estresse do dia-a-dia, para agüentar processos de ladainha, picuinhas de quem carrega a vida nas costas e não a deixa fluir naturalmente...

Cristiano Covas, num dia qualquer, 07.11.07.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 22/07/2010
Código do texto: T2392635