Aprendizado acidental

Wilson Correia

O dia amanheceu como outro qualquer. Logo pela manhã, fui ao Centro de Formação de Professores (CFP), onde leciono atualmente. Lá encaminhei providências da lide acadêmica e voltei para casa perto das dez horas e meia. Lembrei-me de questões pessoais que me aguardavam em Santo Antônio de Jesus, a cinquenta minutos de Amargosa, cidade onde resido. Mandei-me prá lá porque, à tarde, tinha reunião de trabalho com o colegas professores.

Resolvidas as questões em Santo Antônio, entrei no carro e tomei a rodovia que me levaria de volta à Amargosa. "Levaria"... porque um barranco na estrada me fez o favor de interromper a viagem. É que a chuva constante levou o carro a aquaplanar, perder a direção em ziguezague e me fazer ver aquele imenso muro, o barranco, vindo sobre mim (fração de segundos e a sensação invertida: não era eu que ia de encontro ao paredão...).

Entre a batida de frente na terra bruta e a parada do carro, com a traseira afundada no barranco no qual, antes, o parachoque dianteiro do Siena havia batido, eu não vi nada: os óculos foram para não sei onde, o celular sumiu de mim, minha perna direita inchava feito balão na boca de menino, minha testa apresentava uma pequena escoriação e meu peito doía a não mais poder (acho que o cinto de segurança fez miséria com meus músculos peitorais, justamente para salvar a minha vida).

Uma fumaça começou a subir do capô do carro e eu quis sair o mais rapidamente possível de dentro dele. Empurrei a porta, que já não mais abria, e, a custo, consegui pular meio espremido para o centro da rodovia. Nisso, outros carros já estavam parados na pista oposta e me ofereciam ajuda (Naedson, que nunca havia visto na minha vida, perguntou qual era o meu seguro e ligou imediatamente chamando socorro. E fez mais: ficou comigo até o último instante, tomando todas as providências que um acidente assim exige. Ele me disse: “minha irmã sofreu um acidente, no qual perdeu o esposo, e eu sei o que é passar por isso...”).

Eu não sabia como agradecer a esse rapaz, acompanhado, creio, de pai e mãe, os quais também ajudavam a administrar a situação. Aliás, nunca saberei como agradecê-lo. Mas não só a ele: noventa e nove por cento das pessoas que passavam por ali paravam e se ofereciam para fazer qualquer coisa para socorrer, resolver, ajudar, aliviar... Essa solidariedade prática do povo baiano me deixou muito, muito contente: nem sonhava que desconhecidos pudessem ser tão solícitos, camaradas, humanos...

Depois, chegou Paulo Jackson, gestor administrativo do CFP, e, debaixo de chuva, não descolou de mim, até que Emanoel, meu Coordenador de Colegiado, chegasse para me acompanhar pelo resto do dia. Também Susana (atual Diretora do CFP), Nunes, Edmilson, Diogo e Gilfranco, entre outr@s, ligaram, prestando solidariedade e oferecendo auxílio. No Hospital Regional de Santo Antônio, Josi, que trabalha no local, saiu em defesa dos professores conterrâneos: “Tenho a obrigação de pedir que respeitem a prioridade no atendimento... é acidente de carro e vocês são meus conterrâneos... eu também moro em Amargosa...”.

Estou citando algumas manifestações de auxilio em uma situação em que o simples acidente já me fragilizava. Algumas, pessoas conhecidas, as quais, cada uma a seu modo, alegaram motivos variados para manifestar apoio. No entanto, o que destaco é o carinho de pessoas que eu não conhecia, homens e mulheres, jovens e adultos, que não mediram esforços para me fazer ver que a solidariedade é algo muito concreto, objetivo e valioso por significar acolhimento e cuidado.

Enquanto existir no mundo gente como essas pessoas citadas acima, a vida continua valendo a pena ser vivida: essa foi a lição acidental que o dia de hoje reforçou em mim.

Muito obrigado a tod@s, de coração!

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Nota: Fui ao hospital para cumprir o protocolo que a seguradora exige para toda ocorrência dessa natureza. Estou bem, não sofri fraturas e estou tomando remédio para a dor muscular que o impacto da batida causou em mim. Portanto, nada de preocupação comigo.