Dias de Luta.

Com alguns trocados “que me dão garantia”, sobrevivo dentro de minhas possibilidades.

Minha preocupação maior são os dentes, a calvície, a dor nas costas, as rugas, o esôfago e os cabelos brancos... No mais, um dia após o outro me basta ao acaso.

Todas as presunções sobre a vida que tinha quando criança foram por água abaixo. Hoje não sou o herói que conquistaria as galáxias numa guerra interplanetária, vencendo monstros horríveis, e ao final casando com a mocinha mais linda e sincera que alguém poderia conhecer.

Não sou isso e creio que nunca o serei. Serei sim, quem sabe, o que sou hoje e o que sempre fui, uma peça a mais no quebra-cabeça do mundo.

Ontem à noite, por volta das onze da noite, provavelmente, quando percorríamos, eu e outro cara, as margens da cidade em busca de ar fresco e meditação, assustamos, ao passarmos próximos, um bando de cães de rua que ladraram ferozmente em alto e bom som, acordando uns e chamando a atenção de outros, que por ali se encontravam. Logo na esquina, já refeitos do susto que obviamente passamos, fomos interpelados por três sujeitinhos noturnos que nos queria tirar uma onda, no linguajar popular: e aí, primo, os cachorro assustaram o ceis?!! No que de plano, quase que instintivamente, respondi, na mesma moeda: não, brimo, nóis é que assustamo os cachorro. Percebi imediatamente com a resposta dada que a festinha deles foi por água a baixo. Como ondeiros e desordeiros que são não esperavam um trocadilho desses como resposta, ainda mais vindo de dois transeuntes maltrapilhos atravessando a noite suja.

Alguns minutos antes, sentados, eu e o camarada de loucuras, num boteco fedorento da Francisco Alves, recebi um telefonema imperativo informando que minha hora estava contada e que, caso fosse rápido o suficiente a ponto de ir-me imediatamente embora, minha vida seria poupada por mais algum tempo. Ao final da ligação, ao sentir que não haveria por parte de minha pessoa a devida atenção a esse mandamento, ouvi um raivoso e lacônico: vai tomar no cu!

Obviamente, não tomei, e continuei a tomar minha gelada.

Pensando nisso, penso nas pessoas que possuem desvios comportamentais incontroláveis, os quais as levam a praticar em determinados momentos atos totalmente contrários aos seus ideais do dia a dia comum. São umas loucuras que, por mais que me esforce, não consigo compreender.

Que o cérebro não derreta ao virar a esquina!

É bom pensar no perigo quando se está a salvo no aconchego do lar no dia seguinte às tormentas.

Nenhum mal pagador veio tentar adimplir a dívida. Pressuroso, sem saber ao certo o que significa esta palavra, aguardo-os ainda com um tipo de esperança natimorta. É latente que não gostaria que os homens fossem assim, ou praticassem atos assim. Como seria bom se todos fossem honestos e cumpridores de seus deveres. Mas, aí percebo que bonzinhos de verdade só mesmo os teletubies, que meu sobrinho adora.

Revendo a hora, quase onze da manhã, estava pensando num restaurante movimentadíssimo que em determinada época do século XIX freqüentei na região central da Cidade de São Paulo. Na época não me importava muito com a higiene do local, queria somente era encher o bucho com qualquer coisa gostosa que me era suficiente. Logo em seguida à refeição acendia um cigarro e saia a perambular com destino a algum lugar, que naquela época, e naquele lugar, haviam muitos.

Hoje não, apesar dos pesares, vivo mais leve e mais comedido, sem muito do estresse da vida cotidiana. Sofro menos, com certeza. Ou não? Na verdade, acho que sofro mais, porém com menos reflexos em meu comportamento exterior. Naquele tempo meu corpo dizia claramente quando eu estava com alguma coisa errada, que me fazia sofrer. Gesticulava em botecos e bradava comentários sarcásticos sobre a vida, a morte, os homens e o mundo. Lia poemas em voz alta, citava trechos de livros rebeldes, sobre tudo o que havia de rebelde no decorrer dos tempos.

Hoje não, apesar de sofrer mais, como confirmei acima, meu corpo não transmite tal sofrimento. Guardo tudo dentro de mim, fazendo com que as dores se abafem em meu âmago, o que penso ser extremamente prejudicial.

Cristiano Covas, 08/02/06.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 23/07/2010
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