Aprendizagens...

Em alguns momentos de nossa vida precisamos resgatar nossas memórias e as aprendizagens que nelas estão armazenadas.

Esta é uma das muitas histórias vividas que me ajudaram a aprender e a encarar a vida com mais tranquilidade.

_ Boa tarde, tia Regina!

_ Boa tarde, Fabrício!

_Boa tarde, tia Regina!

_ Boa tarde, Fabrício!

Assim começava mais uma tarde naquela Escola Classe, em Brasília. Aquela pequena criatura chegava com sua mãe, uma mulher de meia – idade e bem cuidada, dava-lhe um beijo de despedida e vinha ao nosso encontro com aquele sorriso maroto dando “boa tarde” a todos. Segurava a mão da sua “tia” Regina e feliz dirigia-se para a sala de aula.

Eu, a outra “tia” Regina, ficava observando os passos um tanto desengonçados atravessando o pátio. Ele levantava a outra mãozinha para cima como e estivesse sambando e com sua voz um tanto cavernosa, entoava sua canção preferida e a professora o acompanhava. Sua alegria contagiava, tomava conta do ambiente.

Quantos sóis brilharam com a chegada dessa criança! Para nós ele era uma bênção, uma criança pra lá de especial...

Nossa escola atendia aos alunos portadores de necessidades especiais, entre eles alguns possuidores de Síndrome de Down, como Fabrício, e ainda havia os com deficiência visual.

Eu estava me preparando para mudar de cidade e, consequentemente, me afastaria do serviço. Era junho e nos preparávamos para a festa junina. Seria minha última festa naquela escola e queria que fosse a melhor de todas. Toda a turma estava animada, preparávamos as quadrilhas, os enfeites para sexta-feira, mas Fabrício adoeceu e não poderia participar.

Quinta-feira, eu e a Regina, sua professora, fomos ao hospital visitá-lo. Aproveitaria o momento para despedir-me dele, pois no sábado embarcaria para minha nova cidade.

Sabíamos que o coração de Fabrício não funcionava muito bem. Ele estava muito fraco.

Entramos no quarto do hospital. Seus pais nos receberam. Fabrício nos olhou com os mesmos olhinhos marotos de sempre e falou baixinho, esboçando um sorriso; “As duas tias Reginas estão aqui, mãe!”

Conversamos e brincamos um pouquinho com ele, pois se cansava rapidamente.

Os olhos de seus pais estavam marejados e nós fazíamos o maior esforço para sorrir e não nos mostrarmos tristes.

Contei para ele que estava de partida, que moraria em outro lugar, mas que não o esqueceria porque ele era muito especial e que pretendia voltar para revê-lo. Dei-lhe um beijo e ele retribuiu.

Fomos embora tristes, mas precisávamos terminar os arranjos da nossa festa que foi muito boa.

Sábado embarquei, como previsto. Instalei-me em minha nova moradia, enfrentaria muitos novos desafios. As lembranças de meus queridos colegas e alunos me deixavam um tanto triste, pois sentia saudade. Ainda hoje, sinto.

Passaram-se aproximadamente, duas semanas e recebi um telefonema de minha amiga Regina contando que o Fabrício havia nos deixado. Seu coraçãozinho não agüentou. Chorei, entristeci, não tive tempo de voltar para revê-lo, mas sabia que aquele menino, tão querido, não gostaria de ver tristeza.

Ele foi um grande mestre na arte de viver de bem com a vida.

Então, quando sinto que a tristeza quer tomar conta de mim e que o desânimo quer se instalar, resgato a lembrança do menino que tanto me alegrou. Realmente, aquele coração era pequeno demais para suportar a grandeza da alma daquela criaturinha que eu tive a felicidade de conhecer. Agradeço a Deus por isso.

Se você em algum momento, por algum motivo, se sentir muito triste, resgate esta história, levante os dedos indicadores para cima, sorria, sambe, mesmo que não saiba sambar, e entoe como Fabrício: “É a vida, é bonita e é bonita! Viver e não ter a vergonha de ser feliz...

Para Regina Melo, companheira de muitas horas.