QUANDO A ESPERANÇA É NEGADA

Um corpo, por mais curvas e encantos que carrega, não se veste apenas com a mais fina coleção outono-inverno, vestimentas reais ou o mais vil dos trapos. Por mais necessidade que se tenha da seda, do linho, da púrpura, não há como negar que há muitos corpos vagando por aí, descobertos, desnudos, apresentando uma nudez que assusta, uma nudez que não sacia a sede dos olhos. Uma nudez que não tem qualquer licença poética. Há a nudez que é de alma, a nudez que se apresenta quando é negada a esperança, a nudez que faz Apolo se esconder, mortalmente envergonhado, da possibilidade de qualquer olhar.

Quando não há esperança não há o vento de vida. É como um corpo de barro sem um Deus a soprar na narina, não há um jardim, não há qualquer costela que consiga conceber uma Eva. Quando falta a esperança a vida se apequena, cabe na menor das sacolas. Quando foge a esperança a vida se afasta, se esconde, tão distante que nenhum pensamento consegue saqueá-la. Nenhum pensamento tem o poder de se fazer braços e aconchegá-la.

Quando não há mais esperança não adianta ter fé. Sem esperança nenhuma fé consegue transportar a mais flexível das montanhas. Sem esperança não há serventia para o amor. O amor não tem força para aniquilar nenhuma profecia. Quando não se encontra a esperança a dor não consegue emplacar uma linguagem. A dor é apenas o grito sem qualquer argumento, sem pretexto algum, apenas uma carne que se fratura.

Não há eco para a poesia quando não há esperança. A morte da esperança é a espada que não precisa mais da mão para ferir, é a espada que não é empunhada apenas em tempos de guerra, é a espada que percorre o indivíduo e não cessa sua missão com o ultimato da dor. A falta de esperança é a espada que não comunga de nenhuma justiça, que não reconhece nenhuma lei ou tratado, é a espada que não implora descanso, que não deseja pouso.

Deveria haver protestos, a mais séria marcha contra a falta de esperança. Que falte o pão, que sequem todos os cálices de vinho, que a água seja racionada, mas nunca, com toda a força da palavra nunca, falte qualquer grama, qualquer gota de esperança a um homem. Por mais desgraçada que seja a sua vereda, é necessária ao menos uma insinuação de esperança. Que se lance um homem à mais fria das masmorras, mas não desvencilhe, nunca, nem por um segundo, suas mãos do fiapo de esperança que o mantém um homem. Sem isso ele se torna o mais insignificante dos animais.

Que se arranquem os olhos e uma pessoa ainda conseguirá enxergar o paraíso se existir nela qualquer traço de esperança. Que se amputem as pernas e mesmo assim um homem atravessa todo o deserto se possui em si a esperança. Que se decepe a língua, pela raiz, e mesmo assim, se há esperança, um homem consegue pronunciar o mais lindo dos discursos ou embalar em sua voz alguma canção de amor.

É importante, é vital que haja esperança para os homens de boa e má vontade. Que haja esperança até onde a vontade não possa ser julgada. Que a esperança seja servida antes do primeiro café do dia. Que a esperança não se desgarre do coração do homem, que mesmo em face das piores violações, ela ainda possa se impor, ainda possa esboçar alguma solução.

Quando a esperança é negada não há como reconhecer em um homem qualquer coisa que o faça digno nem de mendigar uma cova. Sem esperança não há alma para cobrir um homem de todas as suas nudezes. Quando não há mais esperança é preciso, urgente, violentamente que se invente uma, nem que seja apenas para não tornar sem propósito o último suspiro.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 29/07/2010
Reeditado em 09/08/2010
Código do texto: T2407291