LIBÉLULA

Era uma rua...mais precisamente uma pequena ladeira. Sua descida ou subida era muito perigosa: isso era o que cada um lembrava com um pavor abismal nos olhos. No entanto, era preciso descer ou subir: todos os dias. O sol estava a pino, de um brilho flamejante. Seus raios ardiam na pele desprotegida, mas havia a brisa intensa, contínua e refrescante que acariciava o corpo já cansado. De repente plainando sobre as asas do vento uma libélua realizava sua performance: linda libélula! Suas asas traziam o arco íris, translúcidas e graciosas. Dois pares de olhos então se entrecruzaram no silêncio de dois seres indecifráveis... dentro do barulho daquela rua... Que mensagem poderia haver ali, naquele instante?
A libélula seguiu por cima dos esgotos e lixos daquela estrada e quando decidiu pousar escolheu uma linda folha verdejante de um capim que crescia sobre um monturo. Depois voou mais adiante, passou por um homem. Seu rosto possuiía traços severos, olhos faiscantes de ódio, porém ainda mais faiscante era o crucifixo que, refletindo os raios do sol, brilhava sobre seu peito negro e desnudo. O medo sussurrava aos ouvidos. O coração e os pulmões pareciam paralisarem-se, mas seguiam as asas e os passos...
E libélula voava sempre adiante... então cruzou a linha branca que ligava as mãos de um menino, correndo no chão, à uma pipa, que dançava no céu. Era uma linha branca, nas mãos do menino, que transcendia as inúmeras “linhas vermelhas” que se entrecruzavam, sob seus pés. E a pipa era o sonho daquele menino em sua possível vida de pesadelos. As paredes, daquelas humildes habitações, guardavam ecos de tiros dos dias passados, porém o canto dos passarinhos era presente e parecia guardar a eternidade. Era possível sentir a cada passo o ranger imponderável dos gemidos já mortos, mas a vida sorria nos rostos daquelas crianças que surgiam em todas as direções. E a libélula? Lá estava... seguindo entusiasta, incansável, impávida, ela: a própria mensagem.